sábado, 10 de março de 2018

DIÁLOGOS ENTRE NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL

Bárbara Bonato Ribeiro
Especialista em Neuropsicopedagogia e Educação Especial Inclusiva. E-mail: bazinha195@yahoo.com.br
Clério Cezar Batista Sena

MESTRE EM EDUCAÇÃO: Psicologia da Educação / PUC/SP; Neuropsicopedagogia e Educação Especial Inclusiva / Neuropsicopedagogia Clinica - CENSUPEG; Especialista em GESTÃO DA ESCOLA – USP, MBA em Gestão Empreendedora – UFF/SESI; Psicopedagogo Institucional e Clínico, Especialista em Educação Infantil e pedagogo. E-mail: cezar.sena@hotmail.com

Resumo

Este artigo estabelece uma discussão sobre a relação entre a neurociência e o campo da educação. A partir de pesquisa bibliográfica e com foco nos processos de construção da aprendizagem, têm-se dois eixos de exploração: 1) a compreensão da aprendizagem pela neurociência; 2) a compreensão do processo de ensino e aprendizagem na interface entre neurociência e educação. Observa-se que a neurociência cognitiva pode contribuir para ampliar o conhecimento e entendimento sobre a aprendizagem e desenvolvimento humanos, inclusive pela combinação das contribuições da neurociência com o que já é estabelecido pelo campo educação.

Palavras-chave: Neurociência. Educação. Aprendizagem. Desenvolvimento humano.

1. INTRODUÇÃO

A área da educação vive hoje intenso processo de revisão de concepções e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste contexto, sabe-se que as pesquisas neurocientíficas estão apenas começando a encontrar aplicação no campo do aprendizado, como área de investigação e desenvolvimento de práticas.

A neurociência, enquanto campo interdisciplinar de pesquisa e atuação, de maneira geral, busca compreender os processos mentais pelos quais percebemos, agimos, aprendemos e nos lembramos, de modo a explicar a manifestação do comportamento em termos da organização das atividades neurais (LENT, 2001). O interesse pela investigação do cérebro e suas potencialidades, ancorado no progresso tecnológico, tem garantido avanços científicos significativos para a neurociência, contribuindo intensamente para o entendimento da mente humana e seus desdobramentos.

A aproximação da neurociência com as questões ligadas ao processo de desenvolvimento humano e de aprendizagem tem motivado inúmeras pesquisas e reflete uma visão contemporânea sobre a manifestação da condição humana. Carvalho (2011) salienta que as ciências do cérebro podem contribuir para o enriquecimento teórico-metodológico do campo da Educação, oferecendo informações científicas essenciais para a melhor compreensão da aprendizagem, enquanto um fenômeno multifatorial e complexo.

2. A APRENDIZAGEM SOB ÓTICA DA NEUROCIÊNCIA


Para a neurociência, mais especificamente a neurociência cognitiva, cujo foco de atenção é a compreensão das atividades cerebrais e dos processos de cognição, a aprendizagem humana não decorre de um simples armazenamento de dados perceptuais, e sim do processamento e elaboração das informações oriundas das percepções no cérebro (CARVALHO, 2011; SILVA, 2012).

Em estudos realizados por Lent (2001) e Mora (2004), constata-se que as capacidades mentais complexas como a linguagem e a memória têm sido indicadas como um dos principais alicerces da aprendizagem humana. Ainda, que investigações sobre o funcionamento cerebral têm colaborado para aprimorar o entendimento de como se dá a aprendizagem.

A atividade mental estimula a reconstrução de conjuntos neurais, processando experiências vivenciais e/ou linguísticas, num fluxo e refluxo de informação. As informações, captadas pelos sentidos e transformadas em estímulos elétricos que percorrem os neurônios, são catalogadas e arquivadas na memória. É essa capacidade de agregar dados novos a informações já armazenadas na memória, estabelecendo relações entre o novo e o já conhecido e reconstruindo aquilo que já foi aprendido, num reprocessamento constante das interpretações advindas da percepção, que caracteriza a plasticidade do cérebro (LENT, 2001; SHORE, 2000).

Considerando este conjunto de sistemas e mecanismos neurofisiológicos acerca da cognição, Mora (2004) acrescenta que a aprendizagem é, portanto, o processo em virtude do qual se associam coisas ou eventos no mundo para a aquisição de novos conhecimentos, e que se denomina memória o processo pelo qual conservamos esses conhecimentos ao longo do tempo. Para o autor, os processos de aprendizagem e memória modificam o cérebro e a conduta do ser vivo que os experimenta.

Apesar da proximidade entre os conceitos de aprendizagem e memória, Lent (2001) os distingue de forma bastante clara. O processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem.

Observa-se, deste modo, que a aprendizagem requer competências para lidar de forma organizada com as informações novas, ou com aquelas já armazenadas no cérebro, a fim de realizar novas ações. Conforme esclarece Moraes (2004), a aprendizagem progride mediante fluxos dinâmicos de trocas, análises e sínteses autorreguladoras cada vez mais complexas, ultrapassando o acúmulo de informações e sendo reconstruída, via transformação, por meio de mudanças estruturais advindas de ações e interações provocadas por perturbações a serem superadas, a nível cerebral.

Deve-se ressaltar também que, neste rebuscado mecanismo, as emoções desempenham um papel decisivo na e para a aprendizagem. Os sentimentos, intensificando a atividade das redes neuronais e fortalecendo suas conexões sinápticas, podem estimular a aquisição, a retenção, a evocação e a articulação das informações no cérebro (LENT, 2001; MORA, 2004).

Pode-se afirmar, portanto, que oferecer situações de aprendizagem fundamentadas em experiências ricas em estímulos e fomentar atividades intelectuais pode promover a ativação de novas sinapses. As informações do meio, uma vez selecionadas, não são apenas armazenadas na memória, mas geram e integram um novo sistema funcional, caracterizando com isso a complexificação do fenômeno da aprendizagem (LENT, 2001; MORAES, 2004).

Estendendo a compreensão do processo de aprendizagem para além do funcionamento cerebral, isoladamente, Maturana e Varela (2001) afirmam que a aprendizagem surge de um acoplamento estrutural: as interações recíprocas entre o indivíduo e o meio fazem surgir mudanças estruturais na organização do sujeito e do contexto em que está inserido; perante as informações, o organismo, num processo auto-organizador, opera com propriedades emergentes, a fim de se adaptar às condições cambiantes presentes no processo de conhecer e de existir, na relação com o outro.

Um benefício para os educadores decorrente do encontro com a neurociência cognitiva é a possibilidade de ocupar o lugar de reconhecimento como sendo as pessoas mais competentes para conhecer as necessidades dos alunos, passando a influenciar a pesquisa cognitiva com suas demandas, como, por exemplo, sobre as práticas educativas mais efetivas para preparar as crianças e jovens para as demandas da sociedade atual (SILVA, 2012).

Compreender como o aluno aprende possibilita ao professor buscar uma forma mais adequada de estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem com os educandos, a fim de favorecer uma melhor organização do ensino. Professores que compreendem a aprendizagem como processo humano que tem raízes biológicas e condicionantes socioculturais adotam uma gestão mais eficaz, tanto das emoções quanto da aprendizagem de seus estudantes.

Nesta direção, considera-se o ato pedagógico como extremamente relevante para a retenção e o processamento da informação oferecida em sala de aula, uma vez que a atuação do professor não somente informa, como também oferece dados que, vivenciados nas interações professor-aluno, não se restringem às percepções sensíveis e aparentes.

Como nos ensina Fonseca (1998), ainda que a inteligência do indivíduo dependa, pela interação entre as células neuronais, do desenvolvimento biológico, somente as mediações que o indivíduo sofre em suas interações com o meio ambiente onde está inserido é que permitirão expandir essa inteligência em todo seu potencial, oportunizando, assim, um melhor aproveitamento do espaço educacional.

Neste campo de interface, afunilando o olhar para o processo de aprendizagem, destaca-se, então, uma nova compreensão das relações entre os processos neuropsicológicos e pedagógicos, onde se configura e se considera o papel da educação na construção da subjetividade humana e o papel da subjetividade na construção do processo educacional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Sobre o desenvolvimento humano, é importante ressaltar que este não resulta apenas de características individuais, que emergem por maturação e são passíveis de serem detectadas em avaliações, conforme argumenta Rossetti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009). Trata-se de um processo de construção social que se dá nas e através das ações e interações estabelecidas pelo indivíduo com outras pessoas, em ambientes social e culturalmente organizados. Deve-se buscar identificar, inclusive, os vários elementos socioeconômicos, políticos, históricos e culturais que atravessam os processos de desenvolvimento dos indivíduos, para melhor compreensão da complexidade do fenômeno da aprendizagem e também para sermos capazes de interpretar e atuar condignamente com as pessoas e as instituições significativas à situação.

No que se refere à educação, destaca-se, conforme apresenta Silva (2012), alguns princípios que já podem ser incorporados à prática educacional: a aprendizagem é crescente e baseada em experiências; a aprendizagem é multissensorial, a aprendizagem é social, e ao longo da vida apresenta plasticidade e compensação. Segundo estes princípios, pode-se extrair alguns conhecimentos como a importância do ambiente escolar para a aprendizagem, da organização da informação na sequência adequada para a aprendizagem do aluno, do conhecimento de que o cérebro da criança constrói estruturas conceituais detalhadas apenas observando o mundo em que vive e de que a experiência emocional interfere na aprendizagem.

Sabe-se que as dificuldades no processo de aprendizagem não são necessariamente explicáveis apenas pelo funcionamento cerebral, muito pelo contrário, já que a maioria dos casos se explica por fatores relacionados à família, à escola e ao ambiente em que a pessoa vive, o que enfatiza ainda mais o caráter multidisciplinar da questão.

Assim, Silva (2012) argumenta que o impacto da neurociência tem o potencial para melhorar a educação por meio de intervenções que alterem com sucesso os mecanismos neurais fundamentais da aprendizagem (prática que demanda pesquisas e estudos aprofundados), mas é improvável que a neurociência afete o ensino em sala de aula de forma substancial. A neurociência ainda tem que fazer progressos significativos em suas pesquisas antes de a educação poder traduzir ou transformar estas descobertas em práticas educativas.

A discussão desenvolvida neste artigo evidencia que as possíveis relações entre neurociência e educação têm atraído a atenção de pesquisadores de ambos os campos e, ainda, propõe que seus desdobramentos sejam direcionados para o aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem e compreensão do desenvolvimento humano.

Por fim, merece ser destacado o necessário investimento em estudos que apreciem tanto as condições intrínsecas ao indivíduo, considerando a complexidade de seu funcionamento neuropsicobiológico, como também as ações, os resultados e os impactos de tais estudos e práticas na rede de instituições e atores sociais que compõem o sistema educacional em andamento.


REFERÊNCIAS

CARVALHO, F. A. H. Neurociências e educação: uma articulação necessária na formação docente. Trab. educ. saúde. 2010, vol.8, n.3, pp. 537-550.

FONSECA, V. Aprender a aprender: a educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.

MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.

MORA, F. Como funciona o cérebro. Porto Alegre: Artmed, 2004.

MORAES, M. C. Pensamento ecossistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2004.

ROSSETTI-FERREIRA, M. C.; AMORIM, K. S. e OLIVEIRA, Z. M. R. Olhando a criança e seus outros: uma trajetória de pesquisa em educação infantil. Psicol. USP. 2009, vol.20, n.3, pp. 437-464.

SILVA, C. L. Concepção histórico-cultural do cérebro na obra de Vigotski. 2012. 275f. Tese (Doutorado em Psicologia e Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

SHORE, R. Repensando o cérebro: novas visões sobre o desenvolvimento inicial do cérebro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000.

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