Clério CEZAR Batista SENA[1];
Cristiano Pedroso[2]
RESUMO
Este artigo de revisão bibliográfica
pontua as contribuições da neuropsicopedagogia para a melhoria da aprendizagem
dos alunos no pós-pandemia da Covid-19. Para manter o distanciamento social e
combater a disseminação do vírus, as escolas foram fechadas por um longo
período, provocando o aumento das dificuldades de aprendizagem na maioria dos
alunos, que não conseguiram se adaptar ao novo modelo de ensino remoto ou não
tiveram acesso ao ensino de modo sistemático. Observou-se que o contexto
pandêmico acelerou o uso das tecnologias aplicadas à educação, que ficará como
legado para o sistema educacional brasileiro. Por fim, o artigo apresenta o
neuropsicopedagogo como uns dos profissionais habilitados para contribuir
efetivamente na melhoria dos déficits de aprendizagem, por terem em sua
formação a neurociência aplicada à educação e sua atuação baseada em evidências
científicas.
Palavras-chave:
Pandemia;
Covid-19; Neuropsicopedagogia; Neurociências; Aprendizagem.
1. Introdução
A
pandemia provocada pela Covid-19 impôs uma mudança de paradigma na educação. É
consenso que essa imposição foi e está sendo drástica e dramática. De repente,
as escolas foram fechadas e a priori não se sabia como educar
maciçamente milhões de estudantes fora dos prédios das escolas. O modelo
educacional até então era pautado basicamente na relação física entre professor
e alunos. Embora já houvesse algumas experiências educacionais mediadas por tecnologias,
estas aconteciam de modo complementar e todos imaginavam que seria a curto
prazo.
Essa
corrida contra o tempo para garantir o cumprimento da legislação atual, que
obriga as escolas a oferecerem 200 dias letivos presenciais com alunos, obrigou
as redes de ensino a improvisarem e tomarem decisões muitas vezes precipitadas.
Mas logo que entenderam que a situação era grave, sem perspectiva de abertura
da escola a curto prazo, começaram a sistematizar o processo educacional
remotamente, embora sem uma coordenação nacional por parte do MEC – Ministério
da Educação, prevalecendo ações fragmentadas por parte de municípios e estados.
O
presente artigo foi dividido em duas partes. Primeiramente apresenta o legado
que a pandemia da Covid-19 deixará para o sistema educacional brasileiro. Nesse
legado, destaca-se a disseminação do uso das novas tecnologias aplicadas à
educação e o maior envolvimento dos responsáveis pelos alunos no processo
educacional, pois como todos ficaram em casa, os pais foram obrigados a tomar
ciência e consciência da atuação do filho como aluno.
A
segunda parte do artigo apresenta a atuação do neuropsicopedagogo como
profissional especializado na aprendizagem escolar e alguém capaz de colaborar
com seu know how a respeito de como se processa a aprendizagem dos
alunos diante as várias dificuldades de aprendizagem, sejam elas provocadas
pelo contexto ou por algum transtorno ou síndrome. Este profissional, por ter
na sua formação conhecimento nas áreas da pedagogia, psicologia cognitiva e
neurociências, é um dos mais bem preparados para atendimento individualizado ou
coletivo desses estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem, bem como
na formação dos professores a partir dos conhecimentos da neurociência aplicada
à educação.
Hoje,
mais do que nunca, percebe-se o aumento das dificuldades de aprendizagem
provocadas pelo fechamento das escolas, impondo uma revisão urgente das
práticas educacionais. Sabe-se que são várias as causas de dificuldade de
aprendizagem, que vão destes os fatores neurobiológicos, contexto sociocultural
– como este provocado pela pandemia da Covid-19, até a falta nos procedimentos
didáticos dos professores. Conforme apontam Conseza e Guerra:
As dificuldades de
aprendizagens são um desafio para o educador e abrangem um grupo heterogêneo de
problemas que alteram a capacidade de aprender. Embora a aprendizagem ocorra no
cérebro, nem sempre ele é a causa original das dificuldades observadas. Um aprendiz
com boa saúde, funções cognitivas preservadas e sem alteração estrutural ou
funcional do sistema nervoso pode apresentar dificuldades para aprender. (CONSEZA; GUERRA, 2011, p. 139)
2. O legado da pandemia para a educação
Como
falar em legado a partir de uma pandemia que já ceifou 617.348[3] vidas
no Brasil? No
entanto, a história aponta que é possível reconhecer alguns legados assim como
ocorreu nos períodos de guerras. Segundo Arruda (2013),
as guerras costumam trazer misérias e fazer muitas vítimas, direta e
indiretamente. Todavia, as guerras também incentivam as indústrias
tecnológicas, criando máquinas e serviços que acabam por serem aprimorados e
incorporados pela população civil no decorrer do tempo.
De
acordo com Ferreira, Ferreira e Zen (2020), em janeiro de 2020 a OMS declarou
situação de “Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional”
provocada pelo aumento dos casos de contágio da Covid-19. No Brasil o primeiro
caso foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. O que levou ao fechamento das
escolas na primeira quinzena de março do mesmo ano. Nesse período, o mundo
entrou em alerta porque a principal forma de combater o avanço do contágio era
o isolamento físico.
No
princípio, pensava-se que o fechamento das escolas seria por um curto período,
em média 15 dias. No entanto os casos só aumentavam, o que levou as autoridades
educacionais a fecharem as escolas por tempo indeterminado. E assim iniciou-se
uma corrida para oferecer uma educação de modo remoto. Após o período de
choque, de insegurança e de uma certa paralisia, cada rede de ensino buscou
oferecer uma educação ainda de modo improvisado e fragmentado.
Para
Ferreira, Ferreira e Zen (2020), as desigualdades sociais
ficaram ainda mais evidentes e os problemas educacionais, nos seus vários
níveis e modalidades de ensino, também se explicitaram. Em muitas redes de
ensino professores e alunos foram abandonados em meio à crise, à própria sorte,
sem orientações e condições de trabalho coerentes com o contexto.
Nunca se falou
tanto em educação nos últimos meses. Segundo dados de pesquisa do Instituto
DataSenado (CHAGAS, 2020) sobre a educação na pandemia, divulgada no dia 12 de
agosto, entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica e
superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas devido à
pandemia de Covid-19, enquanto 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas.
Na rede pública, 26% dos alunos que estão tendo aulas online não possuem acesso
à internet (FERREIRA;FERREIRA; ZEN, 2020, p. 288).
Para
resolver a questão do direito aos 200 dias letivos, como aponta a Lei nº
9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, foi criado
o “Ensino Remoto Emergencial” (ERE). O ERE foi a alternativa para manter as
escolas funcionando, já que, por causa da pandemia, as aulas presenciais foram
ou ainda estão suspensas em todos os níveis educacionais do nosso país.
É nesse contexto
que vem emergindo uma configuração do processo de ensino-aprendizagem
denominada Educação Remota, isto é, práticas pedagógicas mediadas por
plataformas digitais, como aplicativos com os conteúdos, tarefas, notificações
e/ou plataformas síncronas e assíncronas [...] (ALVES, 2020, apud
FERREIRA, FERREIRA; ZEN, 2020, p. 289).
Muitos
pensam que ensinar é fácil, que qualquer um pode fazer. A pandemia evidenciou
que isso não é verdade. O ato de ensinar exige que o professor/responsável
tenha um método e que saiba fazer perguntas desencadeadoras para levar à
aprendizagem. “Fazer perguntas frequentes, rigorosas e dirigidas a diferentes
alunos, à medida que vão demonstrando maior domínio da matéria, é uma
ferramenta poderosa e simples para trabalhar com os alunos que têm diferentes
níveis de habilidades e ritmos de aprendizagem” (DOUG, 2011, p. 60).
Percebeu-se
que muitos responsáveis não conseguiam fazer essas perguntas desencadeadoras
para despertar a aprendizagem dos seus filhos, principalmente aqueles que têm
filhos em diferentes etapas de ensino. E muitos, por não terem essa didática ou
mesmo o conhecimento a respeito da variedade de conteúdo, perdiam a paciência,
criando tensões e desgastes emocionais, reforçando ainda mais os conflitos de
gerações e de culturas.
Assim, a
partir das observações do cotidiano, percebe-se que a pandemia evidenciou a
necessidade da parceria efetiva entre escola e família e a formação de equipes
escolares para o uso das novas tecnologias educacionais. Vale ressaltar que,
mesmo de modo remoto, as famílias têm a obrigação de acompanhar e garantir que
as crianças e adolescentes realizem as atividades escolares em contínuo diálogo
com a escola – que manteve seu atendimento, mesmo que de modo precário,
principalmente no primeiro semestre de 2020. Observou-se que a pandemia também
trouxe novas possibilidades à educação, provocando mudanças que, a priori,
não estavam nas pautas dos gestores educacionais. As escolas, principalmente as
privadas, que já estavam trabalhando com as novas tecnologias, através do
acesso a equipamentos eletrônicos e à internet, saíram na frente, agravando
ainda mais desigualdades sociais.
No entanto, apesar desse contexto caótico, é
possível enxergar algo de positivo. Constata-se que a pandemia deixará como
legado para a educação nacional:
· Melhoria na participação e engajamento das famílias com a escola. As famílias perceberam as dificuldades de aprendizagem dos filhos, além de reconhecer que, para ensinar (conhecimento escolar), é necessário ter procedimento didático (metodologia);
Uso das novas tecnologias a favor da aprendizagem. Os professores e equipe escolar começaram a utilizar plataformas e ferramentas a favor da aprendizagem dos alunos;
·
Evidenciou-se a necessidade de se discutir as
questões socioemocionais no âmbito escolar;
·
Resiliência e superação. Tanto as equipes
escolares, quanto pais e alunos tiveram que se adaptar às circunstâncias,
criando estratégias, adaptando e negociando tempo, espaço e uso de dispositivos
tecnológicos – pois, levando em conta que muitos pais também estavam em
trabalho remoto, os equipamentos disponíveis não eram suficientes para todos
usarem;
·
Percepção da sociedade em relação ao valor do
professor como mediador do conhecimento – como profissional especialista em
ensino.
2.1 Contexto educacional
pós-pandemia: o desafio de recuperar a aprendizagem dos alunos
De
acordo com o Instituto Unibanco (2021), em meio a tantos desafios, o Banco
Mundial destaca que a pandemia pode ser uma oportunidade para que os sistemas
de ensino se tornem “mais eficazes, igualitários e resilientes”. Uma das
recomendações é focar nos segmentos mais desfavorecidos da população, ampliando
o alcance e a qualidade do ensino remoto. O Banco Mundial aponta que as
estimativas iniciais provocadas pelo fechamento das escolas na América Latina e
Caribe são espantosas: essa interrupção pode fazer com que cerca de dois em
cada três alunos não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a
sua idade.
Apesar
de ainda não termos dados relativos à aprendizagem ou ao abandono escolar no
Brasil, os poucos estudos divulgados captam algumas dimensões que podem ter
efeito nesses indicadores. Um levantamento realizado pela União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em janeiro e fevereiro de 2021, com
apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Itaú Social,
jogou luz sobre a realidade da escola pública no ano passado. Com dados de
3.672 secretarias municipais de Educação (dois terços dos municípios do país),
o estudo mostra que 91,9% delas funcionaram apenas por meio de ensino remoto,
enquanto 8,1% adotaram o ensino híbrido, que mescla atividades presenciais e
não presenciais (UNIBANCO, 2021).
Este período de isolamento reforçou ainda mais a importância da ação do
professor como mediador da aprendizagem. Por mais que a tecnologia tenha se
colocado como uma ferramenta indispensável neste contexto atual, ela jamais
substituirá a ação do professor. No entanto, o professor precisa desenvolver um
novo hábito, incorporando no seu fazer pedagógico novas estratégias alinhadas
às mídias sociais e ao uso das tecnologias. “Quando você começa
a formar o novo e melhor hábito, está essencialmente criando novos circuitos
que compitam com seu velho hábito numa espécie de darwinismo neural” (GOLEMAN,
2012, p. 100).
Neste
retorno às aulas presenciais, percebeu-se que os alunos e professores estão
emocionalmente abalados e estressados. Não estão conseguindo gerenciar as
emoções. Talvez isso se deva ao excesso de exposição proporcionado pelas mídias
sociais, às atividades escolares remotas, ao isolamento social, ao medo de
contágio por Covid-19, etc. Ensinar é essencialmente um ato de interação e
convivência, exigindo ainda mais que os profissionais controlem suas emoções.
Mas como elas se manifestam corporalmente, fica difícil o gerenciamento. “A
emoção é uma forma concreta de participação mútua do indivíduo no mundo, ela
tem o caráter fisiológico e contagioso, colabora para estabelecer
relacionamentos e possibilita interações sociais (SENA, 2013, p. 101).
O
desafio está posto. É necessário cuidar do emocional e adequar a realidade para
reconhecer que muitos alunos demorarão mais tempo para recuperar suas
aprendizagens. Sabe-se que a escola já não vinha dando conta do seu papel de
ensinar a todos no modo presencial, especialmente o público-alvo da Educação
Especial. O contexto pandêmico apenas evidenciou a situação.
Os dados do PISA[4]
divulgados no quarto trimestre de 2019[5]
não são muito animadores para o Brasil. Em comparação com os
dados de 2015, a última versão publicada anteriormente, quando foram avaliados
70 países e territórios, o Brasil caiu da 63ª para a 67ª colocação em ciências.
Nessa disciplina, o país supera apenas países como Cazaquistão e Bósnia e
Herzegovina, ficando para trás de Uruguai, Chile e Tailândia, por exemplo. Já
em matemática, o país desceu do 66º para o 71º posto, ficando à frente apenas
de Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, Marrocos, Kosovo, Panamá, Filipinas e
República Dominicana. Em leitura, o país permaneceu praticamente estagnado, conseguindo
apenas passar da 59ª para a 58ª posição, ficando atrás de países como México e
Romênia.
Apesar
dos esforços, sabemos que, com o fechamento das escolas e o ensino remoto, as lacunas
na aprendizagem dos alunos serão enormes, especialmente em relação aos mais
pobres. O novo modelo educacional posto exige ainda mais dos estudantes
habilidades como disciplina, foco e responsabilidade. É preciso que os alunos
assumam um papel ativo diante da sua aprendizagem, a fim de desenvolver sua
autonomia e autoconhecimento. Por outro lado, os professores também estão tendo
que reaprender seu ofício. “Isso significa concentrar-se em mudar as maneiras
como as pessoas pensam e interagem e reconhecer que os estudantes aprendem de
formas múltiplas e que suas capacidades não são fixadas no momento do
nascimento” (SENGE, 2005, p. 72).
Assim,
com esforços de todos, é possível minimizar os impactos que este período de
escolas fechadas está deixando na vida escolar dos estudantes. Sem ilusão de
acreditar que tudo ficará bem como num passo de mágica. Não irá! Mas é possível
melhorar o desempenho acadêmico dos alunos com políticas públicas educacionais
que levem em conta as diversas realidades, com investimento na formação dos
professores e incentivo à participação dos responsáveis, além de apoio
especializado de profissionais como o neuropsicopedagogo. Um profissional
qualificado aliado ao uso das tecnologias aplicadas à educação é um caminho
possível para a melhoria da aprendizagem.
O
neuropsicopedagogo não substitui a atuação do professor e tem sua função bem
específica: basicamente, no contexto de sala de aula, tanto física quanto
virtualmente, a atuação do neuropsicopedagogo é complementar, de parceria. No
entanto, em alguns casos pontuais, o aluno necessita de um atendimento
individualizado de acordo com suas dificuldades específicas. Neste caso o
neuropsicopedagogo clínico é o profissional mais indicado, mesmo que este
atendimento seja remoto, embora se reconheça o desafio desta transição do
atendimento presencial para um mediado pela tecnologia no setting[6]
clínico.
A
portabilidade da educação presencial para a educação mediada por tecnologias
necessita de uma mudança de postura de todos os envolvidos. Isso não é e nem
será um consenso, muito menos uma tarefa fácil. Ainda assim, é uma necessidade
urgente, provocada pela pandemia de Covid-19, que apenas acelerou o processo.
Há muitos aspectos positivos com o uso da tecnologia na educação, como aponta
Salman Khan, o fundador da Khan Academy: “a portabilidade radical da educação
baseada na internet torna possível que cada um estude de acordo com o seu
próprio ritmo, e, portanto, com a máxima eficiência” (KHAN, 2013, p. 61).
Não
se pode perder a esperança no poder transformador da educação. Mas não uma
esperança “passiva” de ficar esperando um milagre. Nas palavras de Cortella
(2020), o
grande pensador da educação, Paulo Freire, dizia que é preciso ter esperança
para chegar ao inédito viável e ao sonho. Cuidado! Há pessoas que têm esperança
do verbo esperar. Esse grande educador e filósofo falava da esperança do verbo
esperançar. Segundo Cortella, esperar é: “Ah, eu espero que dê certo, espero
que aconteça, espero que resolva” e esperançar é ir atrás, é não desistir, é
ser capaz de buscar o que é viável para fazer o inédito. Em resumo, esperançar
significa não se conformar.
3. A contribuição da
neuropsicopedagogia para a melhoria da aprendizagem
De
acordo com o código de ética da SBNPp (2021), a neuropsicopedagogia é uma
ciência transdisciplinar, fundamentada nos conhecimentos da neurociência
aplicada à educação, com interfaces da pedagogia e psicologia cognitiva e que
tem como objeto formal de estudo a relação entre o funcionamento do sistema
nervoso e a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal,
social e educacional (SBNPp, 2021, art. 10).
O neuropsicopedagogo tem conhecimento relacionado às
duas áreas, ciência e educação, portanto seu trabalho interventivo se torna
essencial para a melhoria dos processos pedagógicos de aprendizagem, não com o
objetivo de criar uma nova pedagogia ou apresentar soluções para todos os
transtornos e dificuldades de aprendizagens existentes, mas sim fundamentar uma
prática capaz de auxiliar os trabalhos de intervenção que podem ser mais
funcionais, respeitando a forma como o cérebro aprende, tendendo a ser um
processo mais eficiente (COSTA; SENA, 2018, p. 10)
Em relação à atuação do neuropsicopedagogo
clínico, a SBNPp (2021), no art. 31 do seu código e ética, delimita sua atuação
com atendimentos neuropsicopedagógicos individualizados em setting
adequado, como consultório particular, espaço de atendimento, posto de saúde,
terceiro setor, conforme características institucionais. Entende-se que sua
atuação na área clínica pode atender o aspecto multiprofissional de acordo com
o espaço no qual o neuropsicopedagogo clínico estará inserido e deve
contemplar:
I - Observação, identificação e
análise dos ambientes sociais no qual está inserida a pessoa atendida, focando
nas questões relacionadas à aprendizagem e ao desenvolvimento humano nas áreas
motora, cognitiva e comportamental;
II - Avaliação, intervenção e
acompanhamento do indivíduo com dificuldades de aprendizagem, transtornos,
síndromes ou altas habilidades que causem prejuízos na aprendizagem escolar e
social, através de um plano de intervenção específico que prevê sessões
contínuas de atendimento;
III - Criação de estratégias que
viabilizem o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem do paciente;
IV - Utilização de protocolos e
instrumentos de avaliação e intervenção devidamente validados e abertos para
uso da neuropsicopedagogia;
V - Elaboração de relatório de avaliação
neuropsicopedagógica clínica, bem como participação em relatórios de avaliação
multiprofissional.
Para que o neuropsicopedagogo clínico
possa elaborar e aplicar um plano de intervenção eficiente, é necessário
compreender o funcionamento do cérebro à partir do conhecimento da neurociência
aplicada à educação, assim como compreender o sujeito na sua integralidade,
fazendo uso de instrumentos validados pela SBNPp[7].Recomenda-se iniciar a intervenção
com uma anamnese neuropsicopedagógica para se compreender melhor o contexto e
as dificuldades do avaliado. Depois, deve-se utilizar os protocolos de
avaliação e intervenção neuropsicopedagógica conforme aponta o Caderno
Pedagógico I[8].
Os protocolos de avaliação e intervenção devem ser aplicados e
analisados à luz da neurociência.
A neurociência aplicada à educação
pressupõe uma profunda compreensão dos processos educacionais. A partir desta
compreensão, a neurociência iluminará os procedimentos pedagógicos, apontando
as melhores estratégias para a aquisição e manutenção das aprendizagens.
Fazer uso das neurociências é proporcionar um ensino
democrático, pois muitos aprendemos sobre o cérebro e, no que concerne ao
ambiente escolar, aprendemos que há democracia no aprender. Não existe uma
forma única ou método único, mas existem, sim, cérebros singulares que aprendem
(sempre aprendem) de maneiras diversas (PESSOA, 2018, p. 69).
De
acordo com Kandel et al. (2014), o objetivo das neurociências é a
compreensão de como o fluxo de sinais elétricos através de circuitos neurais
origina a mente – como percebemos, agimos, pensamos, aprendemos e lembramos.
Embora ainda estejamos muitas décadas distantes de alcançar tal nível de
compreensão, os neurocientistas têm feito progressos significativos na obtenção
de informações acerca dos mecanismos subjacentes ao comportamento, os sinais de
saída que podem ser observados em relação ao sistema nervoso de seres humanos e
outros organismos.
A
neurociência aponta que o cérebro não consegue processar dois estímulos ao
mesmo tempo e nem armazenar todos os conteúdos das aulas como no arquivo
digital.
“O cérebro não armazena fatos e ideias e experiencias como um computador, como um
arquivo que se abre por um clique, exibindo sempre a imagem idêntica. Ele os
incorpora em redes de percepções, fatos e pensamentos, combinações ligeiramente
diferentes que pipocam a cada vez” (COREY, 2015, p. 18).
Portanto,
quando o neuropsicopedagogo clínico prepara suas intervenções levando em conta
como o cérebro aprende, com estratégias que consolidem a memorização e
organização das habilidades trabalhadas no processo de atendimento, a
probabilidade da consolidação dos conteúdos é bem maior.
Na consolidação, o cérebro se reorganiza e estabiliza
os vestígios de memória. Isso pode ocorrer durante várias horas ou mais, e
envolve o processamento profundo dos novos conteúdos, durante o qual os
cientistas acreditam que o cérebro repete ou ensaia a aprendizagem, dando-lhe
significado, preenchendo as lacunas em branco e fazendo conexões com as
experiências passadas e com outros acontecimentos já armazenados na memória de
longo prazo. A
consolidação ajuda a organizar e a solidificar a aprendizagem, e, em especial,
o mesmo acontece com a recuperação de informações após um lapso de tempo, pois
o ato de recuperar uma lembrança que está no armazenamento de longo prazo pode
fortalecer os vestígios de memória e, ao mesmo tempo, torná-los modificados
novamente, permitindo-lhe por exemplo, conectarem-se à aprendizagem mais
recente (BROWN; ROEDIGER III; MCDANIEL, 2018, p. 58).
4.
Considerações finais
Como
ainda estamos vivenciando o contexto pandêmico provocado pela Covid-19, com
muitos alunos ainda sem retornar à escola, não é possível apontar muitas
descobertas. É cedo para medir efetivamente os impactos deste período no
processo de aprendizagem dos alunos. No entanto, já é possível observar, a
partir da leitura de artigos, reportagens, relatos de professores, gestores e
pais, os déficits na aprendizagem, apontando um número considerável de alunos
com desempenho acadêmico aquém do esperado para a idade e série.
Embora
constatem-se os déficits, é possível perceber também alguns legados que a
pandemia da Covid-19 está deixando para a educação, como a disseminação do uso
das novas tecnologias a favor da aprendizagem. Apesar das enormes diferenças
territoriais do país, é inegável que a tecnologia minimizou esses impactos.
Outro
legado que o artigo aponta é a necessidade de formação dos profissionais da
educação para acelerar o processo de superação desses déficits na aprendizagem.
E um desses profissionais que poderão colaborar efetivamente com essa
empreitada é o neuropsicopedagogo, pois sua formação é fundamentada na neurociência
aplicada à educação. E no caso dos
alunos que apresentarem dificuldades mais pontuais advindo de algum transtorno
ou síndrome que necessite de um atendimento individual, o neuropsicopedagogo
clínico é o profissional mais indicado por utilizar de instrumentos de
sondagens e intervenções baseadas em evidências científicas, que levam em conta
o modo com o cérebro aprende.
Portanto,
a atuação do neuropsicopedagogo, tanto o institucional quanto o clínico, em
parceria com outros profissionais da educação e ou saúde, colaborará de modo
significativo e efetivo para a melhoria do desempenho acadêmico de todos os
alunos no pós-pandemia de Covid-19.
Referências
Bibliográficas
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inventadas para a guerra que fazem parte do nosso cotidiano. Disponível
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Peter C; ROEDIGER III, Henri L; MCDANIEL, Mark A. Fixe o conhecimento: a
ciência da aprendizagem bem-sucedida. Porto Alegre: Penso, 2018.
CAREY,
Benedict. Como aprendemos. A surpreendente verdade sobre quando, como e por
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Perspectivas para o ensino da língua materna. Fólio – Revista de Letras.
Vitória da Conquista; v. 12, n. 2 jul./dez, 2020.
GOLEMAN, Daniel. O cérebro e a
inteligência emocional: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
KANDEL, Eric R. et
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5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014)
KHAN, Salman. Um
mundo, uma escola. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.
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Costa. Como o cérebro aprende? 1ª ed. São Paulo: Vetor, 2018
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SENA, Cezar. A relação afetiva
professor e aluno, revelada por seus diários. Curitiba: Appris, 2013.
SENGE, Peter. Escolas que aprendem: um
guia da Quinta Disciplina para educadores, pais e todos que se interessam por
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UNIBANCO Instituto. Estudos estimam
impacto da pandemia na aprendizagem. Disponível em: https://www.institutounibanco.org.br/conteudo/estudos-estimam-impacto-da-pandemia-na-aprendizagem/ Acesso em 16 de
dez. 2021
1Acadêmico do Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu em Neuropsicopedagogia Clínica da Faculdade Censupeg,
E-mail: cezar.sena@hotmail.com.
2Professor
Orientador dos Cursos de Neuropsicopedagogia da Faculdade Censupeg.
[3] Disponível em: https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/estados-brasil-mortes-casos-media-movel/ Acesso em 15 de dez. de2021.
[4] O PISA - Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes, é uma avaliação internacional que
mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura,
Matemática e Ciências.
[5] Dados disponíveis em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/03/brasil-cai-em-ranking-mundial-de-ciencias-e-matematica-e-empaca-em-leitura.htm Acesso em 20 de jul. 2020.
[6] Termo usado no espaço terapêutico.
Significa CONTEXTO.
[7] SBNPp – Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia
[8] FÜLLE, Angelita; RUSSO, Margarida
Toler (org.). Caderno Pedagógico I. Faculdade CENSUPEG, Joinville, 2019.
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