quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A contribuição da neuropsicopedagogia para a melhoria da aprendizagem dos alunos pós-pandemia

                                                                                       Clério CEZAR Batista SENA[1];

                                                       Cristiano Pedroso[2]

 

RESUMO

 

Este artigo de revisão bibliográfica pontua as contribuições da neuropsicopedagogia para a melhoria da aprendizagem dos alunos no pós-pandemia da Covid-19. Para manter o distanciamento social e combater a disseminação do vírus, as escolas foram fechadas por um longo período, provocando o aumento das dificuldades de aprendizagem na maioria dos alunos, que não conseguiram se adaptar ao novo modelo de ensino remoto ou não tiveram acesso ao ensino de modo sistemático. Observou-se que o contexto pandêmico acelerou o uso das tecnologias aplicadas à educação, que ficará como legado para o sistema educacional brasileiro. Por fim, o artigo apresenta o neuropsicopedagogo como uns dos profissionais habilitados para contribuir efetivamente na melhoria dos déficits de aprendizagem, por terem em sua formação a neurociência aplicada à educação e sua atuação baseada em evidências científicas.

 

Palavras-chave: Pandemia; Covid-19; Neuropsicopedagogia; Neurociências; Aprendizagem.

 

1. Introdução

 

A pandemia provocada pela Covid-19 impôs uma mudança de paradigma na educação. É consenso que essa imposição foi e está sendo drástica e dramática. De repente, as escolas foram fechadas e a priori não se sabia como educar maciçamente milhões de estudantes fora dos prédios das escolas. O modelo educacional até então era pautado basicamente na relação física entre professor e alunos. Embora já houvesse algumas experiências educacionais mediadas por tecnologias, estas aconteciam de modo complementar e todos imaginavam que seria a curto prazo.

Essa corrida contra o tempo para garantir o cumprimento da legislação atual, que obriga as escolas a oferecerem 200 dias letivos presenciais com alunos, obrigou as redes de ensino a improvisarem e tomarem decisões muitas vezes precipitadas. Mas logo que entenderam que a situação era grave, sem perspectiva de abertura da escola a curto prazo, começaram a sistematizar o processo educacional remotamente, embora sem uma coordenação nacional por parte do MEC – Ministério da Educação, prevalecendo ações fragmentadas por parte de municípios e estados.

O presente artigo foi dividido em duas partes. Primeiramente apresenta o legado que a pandemia da Covid-19 deixará para o sistema educacional brasileiro. Nesse legado, destaca-se a disseminação do uso das novas tecnologias aplicadas à educação e o maior envolvimento dos responsáveis pelos alunos no processo educacional, pois como todos ficaram em casa, os pais foram obrigados a tomar ciência e consciência da atuação do filho como aluno.

A segunda parte do artigo apresenta a atuação do neuropsicopedagogo como profissional especializado na aprendizagem escolar e alguém capaz de colaborar com seu know how a respeito de como se processa a aprendizagem dos alunos diante as várias dificuldades de aprendizagem, sejam elas provocadas pelo contexto ou por algum transtorno ou síndrome. Este profissional, por ter na sua formação conhecimento nas áreas da pedagogia, psicologia cognitiva e neurociências, é um dos mais bem preparados para atendimento individualizado ou coletivo desses estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem, bem como na formação dos professores a partir dos conhecimentos da neurociência aplicada à educação.

Hoje, mais do que nunca, percebe-se o aumento das dificuldades de aprendizagem provocadas pelo fechamento das escolas, impondo uma revisão urgente das práticas educacionais. Sabe-se que são várias as causas de dificuldade de aprendizagem, que vão destes os fatores neurobiológicos, contexto sociocultural – como este provocado pela pandemia da Covid-19, até a falta nos procedimentos didáticos dos professores. Conforme apontam Conseza e Guerra:

 

As dificuldades de aprendizagens são um desafio para o educador e abrangem um grupo heterogêneo de problemas que alteram a capacidade de aprender. Embora a aprendizagem ocorra no cérebro, nem sempre ele é a causa original das dificuldades observadas. Um aprendiz com boa saúde, funções cognitivas preservadas e sem alteração estrutural ou funcional do sistema nervoso pode apresentar dificuldades para aprender. (CONSEZA; GUERRA, 2011, p. 139)

 

2. O legado da pandemia para a educação

 

Como falar em legado a partir de uma pandemia que já ceifou 617.348[3] vidas no Brasil? No entanto, a história aponta que é possível reconhecer alguns legados assim como ocorreu nos períodos de guerras. Segundo Arruda (2013), as guerras costumam trazer misérias e fazer muitas vítimas, direta e indiretamente. Todavia, as guerras também incentivam as indústrias tecnológicas, criando máquinas e serviços que acabam por serem aprimorados e incorporados pela população civil no decorrer do tempo.

De acordo com Ferreira, Ferreira e Zen (2020), em janeiro de 2020 a OMS declarou situação de “Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional” provocada pelo aumento dos casos de contágio da Covid-19. No Brasil o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. O que levou ao fechamento das escolas na primeira quinzena de março do mesmo ano. Nesse período, o mundo entrou em alerta porque a principal forma de combater o avanço do contágio era o isolamento físico.

No princípio, pensava-se que o fechamento das escolas seria por um curto período, em média 15 dias. No entanto os casos só aumentavam, o que levou as autoridades educacionais a fecharem as escolas por tempo indeterminado. E assim iniciou-se uma corrida para oferecer uma educação de modo remoto. Após o período de choque, de insegurança e de uma certa paralisia, cada rede de ensino buscou oferecer uma educação ainda de modo improvisado e fragmentado.

Para Ferreira, Ferreira e Zen (2020), as desigualdades sociais ficaram ainda mais evidentes e os problemas educacionais, nos seus vários níveis e modalidades de ensino, também se explicitaram. Em muitas redes de ensino professores e alunos foram abandonados em meio à crise, à própria sorte, sem orientações e condições de trabalho coerentes com o contexto.

 

Nunca se falou tanto em educação nos últimos meses. Segundo dados de pesquisa do Instituto DataSenado (CHAGAS, 2020) sobre a educação na pandemia, divulgada no dia 12 de agosto, entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de Covid-19, enquanto 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. Na rede pública, 26% dos alunos que estão tendo aulas online não possuem acesso à internet (FERREIRA;FERREIRA; ZEN, 2020, p. 288).

 

Para resolver a questão do direito aos 200 dias letivos, como aponta a Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, foi criado o “Ensino Remoto Emergencial” (ERE). O ERE foi a alternativa para manter as escolas funcionando, já que, por causa da pandemia, as aulas presenciais foram ou ainda estão suspensas em todos os níveis educacionais do nosso país.

 

É nesse contexto que vem emergindo uma configuração do processo de ensino-aprendizagem denominada Educação Remota, isto é, práticas pedagógicas mediadas por plataformas digitais, como aplicativos com os conteúdos, tarefas, notificações e/ou plataformas síncronas e assíncronas [...] (ALVES, 2020, apud FERREIRA, FERREIRA; ZEN, 2020, p. 289).

 

Muitos pensam que ensinar é fácil, que qualquer um pode fazer. A pandemia evidenciou que isso não é verdade. O ato de ensinar exige que o professor/responsável tenha um método e que saiba fazer perguntas desencadeadoras para levar à aprendizagem. “Fazer perguntas frequentes, rigorosas e dirigidas a diferentes alunos, à medida que vão demonstrando maior domínio da matéria, é uma ferramenta poderosa e simples para trabalhar com os alunos que têm diferentes níveis de habilidades e ritmos de aprendizagem” (DOUG, 2011, p. 60).

Percebeu-se que muitos responsáveis não conseguiam fazer essas perguntas desencadeadoras para despertar a aprendizagem dos seus filhos, principalmente aqueles que têm filhos em diferentes etapas de ensino. E muitos, por não terem essa didática ou mesmo o conhecimento a respeito da variedade de conteúdo, perdiam a paciência, criando tensões e desgastes emocionais, reforçando ainda mais os conflitos de gerações e de culturas.

Assim, a partir das observações do cotidiano, percebe-se que a pandemia evidenciou a necessidade da parceria efetiva entre escola e família e a formação de equipes escolares para o uso das novas tecnologias educacionais. Vale ressaltar que, mesmo de modo remoto, as famílias têm a obrigação de acompanhar e garantir que as crianças e adolescentes realizem as atividades escolares em contínuo diálogo com a escola – que manteve seu atendimento, mesmo que de modo precário, principalmente no primeiro semestre de 2020. Observou-se que a pandemia também trouxe novas possibilidades à educação, provocando mudanças que, a priori, não estavam nas pautas dos gestores educacionais. As escolas, principalmente as privadas, que já estavam trabalhando com as novas tecnologias, através do acesso a equipamentos eletrônicos e à internet, saíram na frente, agravando ainda mais desigualdades sociais.

No entanto, apesar desse contexto caótico, é possível enxergar algo de positivo. Constata-se que a pandemia deixará como legado para a educação nacional:

·         Melhoria na participação e engajamento das famílias com a escola. As famílias perceberam as dificuldades de aprendizagem dos filhos, além de reconhecer que, para ensinar (conhecimento escolar), é necessário ter procedimento didático (metodologia);

Uso das novas tecnologias a favor da aprendizagem. Os professores e equipe escolar começaram a utilizar plataformas e ferramentas a favor da aprendizagem dos alunos;

·         Evidenciou-se a necessidade de se discutir as questões socioemocionais no âmbito escolar;

·         Resiliência e superação. Tanto as equipes escolares, quanto pais e alunos tiveram que se adaptar às circunstâncias, criando estratégias, adaptando e negociando tempo, espaço e uso de dispositivos tecnológicos – pois, levando em conta que muitos pais também estavam em trabalho remoto, os equipamentos disponíveis não eram suficientes para todos usarem;

·         Percepção da sociedade em relação ao valor do professor como mediador do conhecimento – como profissional especialista em ensino.

 

2.1 Contexto educacional pós-pandemia: o desafio de recuperar a aprendizagem dos alunos

 

De acordo com o Instituto Unibanco (2021), em meio a tantos desafios, o Banco Mundial destaca que a pandemia pode ser uma oportunidade para que os sistemas de ensino se tornem “mais eficazes, igualitários e resilientes”. Uma das recomendações é focar nos segmentos mais desfavorecidos da população, ampliando o alcance e a qualidade do ensino remoto. O Banco Mundial aponta que as estimativas iniciais provocadas pelo fechamento das escolas na América Latina e Caribe são espantosas: essa interrupção pode fazer com que cerca de dois em cada três alunos não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade.

Apesar de ainda não termos dados relativos à aprendizagem ou ao abandono escolar no Brasil, os poucos estudos divulgados captam algumas dimensões que podem ter efeito nesses indicadores. Um levantamento realizado pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em janeiro e fevereiro de 2021, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Itaú Social, jogou luz sobre a realidade da escola pública no ano passado. Com dados de 3.672 secretarias municipais de Educação (dois terços dos municípios do país), o estudo mostra que 91,9% delas funcionaram apenas por meio de ensino remoto, enquanto 8,1% adotaram o ensino híbrido, que mescla atividades presenciais e não presenciais (UNIBANCO, 2021).

Este período de isolamento reforçou ainda mais a importância da ação do professor como mediador da aprendizagem. Por mais que a tecnologia tenha se colocado como uma ferramenta indispensável neste contexto atual, ela jamais substituirá a ação do professor. No entanto, o professor precisa desenvolver um novo hábito, incorporando no seu fazer pedagógico novas estratégias alinhadas às mídias sociais e ao uso das tecnologias. “Quando você começa a formar o novo e melhor hábito, está essencialmente criando novos circuitos que compitam com seu velho hábito numa espécie de darwinismo neural” (GOLEMAN, 2012, p. 100).

Neste retorno às aulas presenciais, percebeu-se que os alunos e professores estão emocionalmente abalados e estressados. Não estão conseguindo gerenciar as emoções. Talvez isso se deva ao excesso de exposição proporcionado pelas mídias sociais, às atividades escolares remotas, ao isolamento social, ao medo de contágio por Covid-19, etc. Ensinar é essencialmente um ato de interação e convivência, exigindo ainda mais que os profissionais controlem suas emoções. Mas como elas se manifestam corporalmente, fica difícil o gerenciamento. “A emoção é uma forma concreta de participação mútua do indivíduo no mundo, ela tem o caráter fisiológico e contagioso, colabora para estabelecer relacionamentos e possibilita interações sociais (SENA, 2013, p. 101).

O desafio está posto. É necessário cuidar do emocional e adequar a realidade para reconhecer que muitos alunos demorarão mais tempo para recuperar suas aprendizagens. Sabe-se que a escola já não vinha dando conta do seu papel de ensinar a todos no modo presencial, especialmente o público-alvo da Educação Especial. O contexto pandêmico apenas evidenciou a situação.

Os dados do PISA[4] divulgados no quarto trimestre de 2019[5] não são muito animadores para o Brasil. Em comparação com os dados de 2015, a última versão publicada anteriormente, quando foram avaliados 70 países e territórios, o Brasil caiu da 63ª para a 67ª colocação em ciências. Nessa disciplina, o país supera apenas países como Cazaquistão e Bósnia e Herzegovina, ficando para trás de Uruguai, Chile e Tailândia, por exemplo. Já em matemática, o país desceu do 66º para o 71º posto, ficando à frente apenas de Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, Marrocos, Kosovo, Panamá, Filipinas e República Dominicana. Em leitura, o país permaneceu praticamente estagnado, conseguindo apenas passar da 59ª para a 58ª posição, ficando atrás de países como México e Romênia.

Apesar dos esforços, sabemos que, com o fechamento das escolas e o ensino remoto, as lacunas na aprendizagem dos alunos serão enormes, especialmente em relação aos mais pobres. O novo modelo educacional posto exige ainda mais dos estudantes habilidades como disciplina, foco e responsabilidade. É preciso que os alunos assumam um papel ativo diante da sua aprendizagem, a fim de desenvolver sua autonomia e autoconhecimento. Por outro lado, os professores também estão tendo que reaprender seu ofício. “Isso significa concentrar-se em mudar as maneiras como as pessoas pensam e interagem e reconhecer que os estudantes aprendem de formas múltiplas e que suas capacidades não são fixadas no momento do nascimento” (SENGE, 2005, p. 72).

Assim, com esforços de todos, é possível minimizar os impactos que este período de escolas fechadas está deixando na vida escolar dos estudantes. Sem ilusão de acreditar que tudo ficará bem como num passo de mágica. Não irá! Mas é possível melhorar o desempenho acadêmico dos alunos com políticas públicas educacionais que levem em conta as diversas realidades, com investimento na formação dos professores e incentivo à participação dos responsáveis, além de apoio especializado de profissionais como o neuropsicopedagogo. Um profissional qualificado aliado ao uso das tecnologias aplicadas à educação é um caminho possível para a melhoria da aprendizagem.

O neuropsicopedagogo não substitui a atuação do professor e tem sua função bem específica: basicamente, no contexto de sala de aula, tanto física quanto virtualmente, a atuação do neuropsicopedagogo é complementar, de parceria. No entanto, em alguns casos pontuais, o aluno necessita de um atendimento individualizado de acordo com suas dificuldades específicas. Neste caso o neuropsicopedagogo clínico é o profissional mais indicado, mesmo que este atendimento seja remoto, embora se reconheça o desafio desta transição do atendimento presencial para um mediado pela tecnologia no setting[6] clínico.

A portabilidade da educação presencial para a educação mediada por tecnologias necessita de uma mudança de postura de todos os envolvidos. Isso não é e nem será um consenso, muito menos uma tarefa fácil. Ainda assim, é uma necessidade urgente, provocada pela pandemia de Covid-19, que apenas acelerou o processo. Há muitos aspectos positivos com o uso da tecnologia na educação, como aponta Salman Khan, o fundador da Khan Academy: “a portabilidade radical da educação baseada na internet torna possível que cada um estude de acordo com o seu próprio ritmo, e, portanto, com a máxima eficiência” (KHAN, 2013, p. 61).

Não se pode perder a esperança no poder transformador da educação. Mas não uma esperança “passiva” de ficar esperando um milagre. Nas palavras de Cortella (2020), o grande pensador da educação, Paulo Freire, dizia que é preciso ter esperança para chegar ao inédito viável e ao sonho. Cuidado! Há pessoas que têm esperança do verbo esperar. Esse grande educador e filósofo falava da esperança do verbo esperançar. Segundo Cortella, esperar é: “Ah, eu espero que dê certo, espero que aconteça, espero que resolva” e esperançar é ir atrás, é não desistir, é ser capaz de buscar o que é viável para fazer o inédito. Em resumo, esperançar significa não se conformar.

 

3. A contribuição da neuropsicopedagogia para a melhoria da aprendizagem

 

De acordo com o código de ética da SBNPp (2021), a neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar, fundamentada nos conhecimentos da neurociência aplicada à educação, com interfaces da pedagogia e psicologia cognitiva e que tem como objeto formal de estudo a relação entre o funcionamento do sistema nervoso e a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e educacional (SBNPp, 2021, art. 10).

 

O neuropsicopedagogo tem conhecimento relacionado às duas áreas, ciência e educação, portanto seu trabalho interventivo se torna essencial para a melhoria dos processos pedagógicos de aprendizagem, não com o objetivo de criar uma nova pedagogia ou apresentar soluções para todos os transtornos e dificuldades de aprendizagens existentes, mas sim fundamentar uma prática capaz de auxiliar os trabalhos de intervenção que podem ser mais funcionais, respeitando a forma como o cérebro aprende, tendendo a ser um processo mais eficiente (COSTA; SENA, 2018, p. 10)

 

Em relação à atuação do neuropsicopedagogo clínico, a SBNPp (2021), no art. 31 do seu código e ética, delimita sua atuação com atendimentos neuropsicopedagógicos individualizados em setting adequado, como consultório particular, espaço de atendimento, posto de saúde, terceiro setor, conforme características institucionais. Entende-se que sua atuação na área clínica pode atender o aspecto multiprofissional de acordo com o espaço no qual o neuropsicopedagogo clínico estará inserido e deve contemplar:

I - Observação, identificação e análise dos ambientes sociais no qual está inserida a pessoa atendida, focando nas questões relacionadas à aprendizagem e ao desenvolvimento humano nas áreas motora, cognitiva e comportamental;

II - Avaliação, intervenção e acompanhamento do indivíduo com dificuldades de aprendizagem, transtornos, síndromes ou altas habilidades que causem prejuízos na aprendizagem escolar e social, através de um plano de intervenção específico que prevê sessões contínuas de atendimento;

III - Criação de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem do paciente;

IV - Utilização de protocolos e instrumentos de avaliação e intervenção devidamente validados e abertos para uso da neuropsicopedagogia;

V - Elaboração de relatório de avaliação neuropsicopedagógica clínica, bem como participação em relatórios de avaliação multiprofissional.

 

Para que o neuropsicopedagogo clínico possa elaborar e aplicar um plano de intervenção eficiente, é necessário compreender o funcionamento do cérebro à partir do conhecimento da neurociência aplicada à educação, assim como compreender o sujeito na sua integralidade, fazendo uso de instrumentos validados pela SBNPp[7].Recomenda-se iniciar a intervenção com uma anamnese neuropsicopedagógica para se compreender melhor o contexto e as dificuldades do avaliado. Depois, deve-se utilizar os protocolos de avaliação e intervenção neuropsicopedagógica conforme aponta o Caderno Pedagógico I[8].  Os protocolos de avaliação e intervenção devem ser aplicados e analisados à luz da neurociência.

A neurociência aplicada à educação pressupõe uma profunda compreensão dos processos educacionais. A partir desta compreensão, a neurociência iluminará os procedimentos pedagógicos, apontando as melhores estratégias para a aquisição e manutenção das aprendizagens.

 

Fazer uso das neurociências é proporcionar um ensino democrático, pois muitos aprendemos sobre o cérebro e, no que concerne ao ambiente escolar, aprendemos que há democracia no aprender. Não existe uma forma única ou método único, mas existem, sim, cérebros singulares que aprendem (sempre aprendem) de maneiras diversas (PESSOA, 2018, p. 69).

 

De acordo com Kandel et al. (2014), o objetivo das neurociências é a compreensão de como o fluxo de sinais elétricos através de circuitos neurais origina a mente – como percebemos, agimos, pensamos, aprendemos e lembramos. Embora ainda estejamos muitas décadas distantes de alcançar tal nível de compreensão, os neurocientistas têm feito progressos significativos na obtenção de informações acerca dos mecanismos subjacentes ao comportamento, os sinais de saída que podem ser observados em relação ao sistema nervoso de seres humanos e outros organismos.

A neurociência aponta que o cérebro não consegue processar dois estímulos ao mesmo tempo e nem armazenar todos os conteúdos das aulas como no arquivo digital. “O cérebro não armazena fatos e ideias e experiencias como um computador, como um arquivo que se abre por um clique, exibindo sempre a imagem idêntica. Ele os incorpora em redes de percepções, fatos e pensamentos, combinações ligeiramente diferentes que pipocam a cada vez” (COREY, 2015, p. 18).

Portanto, quando o neuropsicopedagogo clínico prepara suas intervenções levando em conta como o cérebro aprende, com estratégias que consolidem a memorização e organização das habilidades trabalhadas no processo de atendimento, a probabilidade da consolidação dos conteúdos é bem maior.

 

Na consolidação, o cérebro se reorganiza e estabiliza os vestígios de memória. Isso pode ocorrer durante várias horas ou mais, e envolve o processamento profundo dos novos conteúdos, durante o qual os cientistas acreditam que o cérebro repete ou ensaia a aprendizagem, dando-lhe significado, preenchendo as lacunas em branco e fazendo conexões com as experiências passadas e com outros acontecimentos já armazenados na memória de longo prazo. A consolidação ajuda a organizar e a solidificar a aprendizagem, e, em especial, o mesmo acontece com a recuperação de informações após um lapso de tempo, pois o ato de recuperar uma lembrança que está no armazenamento de longo prazo pode fortalecer os vestígios de memória e, ao mesmo tempo, torná-los modificados novamente, permitindo-lhe por exemplo, conectarem-se à aprendizagem mais recente (BROWN; ROEDIGER III; MCDANIEL, 2018, p. 58).

 

4. Considerações finais

 

Como ainda estamos vivenciando o contexto pandêmico provocado pela Covid-19, com muitos alunos ainda sem retornar à escola, não é possível apontar muitas descobertas. É cedo para medir efetivamente os impactos deste período no processo de aprendizagem dos alunos. No entanto, já é possível observar, a partir da leitura de artigos, reportagens, relatos de professores, gestores e pais, os déficits na aprendizagem, apontando um número considerável de alunos com desempenho acadêmico aquém do esperado para a idade e série. 

Embora constatem-se os déficits, é possível perceber também alguns legados que a pandemia da Covid-19 está deixando para a educação, como a disseminação do uso das novas tecnologias a favor da aprendizagem. Apesar das enormes diferenças territoriais do país, é inegável que a tecnologia minimizou esses impactos.

Outro legado que o artigo aponta é a necessidade de formação dos profissionais da educação para acelerar o processo de superação desses déficits na aprendizagem. E um desses profissionais que poderão colaborar efetivamente com essa empreitada é o neuropsicopedagogo, pois sua formação é fundamentada na neurociência aplicada à educação.  E no caso dos alunos que apresentarem dificuldades mais pontuais advindo de algum transtorno ou síndrome que necessite de um atendimento individual, o neuropsicopedagogo clínico é o profissional mais indicado por utilizar de instrumentos de sondagens e intervenções baseadas em evidências científicas, que levam em conta o modo com o cérebro aprende.

Portanto, a atuação do neuropsicopedagogo, tanto o institucional quanto o clínico, em parceria com outros profissionais da educação e ou saúde, colaborará de modo significativo e efetivo para a melhoria do desempenho acadêmico de todos os alunos no pós-pandemia de Covid-19.

 

Referências Bibliográficas

 

ARRUDA, Felipe. Oito tecnologias inventadas para a guerra que fazem parte do nosso cotidianoDisponível em: https://www.tecmundo.com.br/tecnologia-militar/34671-8-tecnologias-inventadas-para-a-guerra-que-fazem-parte-do-nosso-cotidiano.htm Acesso em 20 de out. de 2020.

 

BROWN, Peter C; ROEDIGER III, Henri L; MCDANIEL, Mark A. Fixe o conhecimento: a ciência da aprendizagem bem-sucedida. Porto Alegre: Penso, 2018.

 

CAREY, Benedict. Como aprendemos. A surpreendente verdade sobre quando, como e por que o aprendizado acontece. Rio de Janeiro: Elsivier, 2015.

 

COSENZA, Ramon Moreira; GUERRA, Leonor Bezerra. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed; 2011.

 

CORTELLA, Mário Sérgio. O verbo esperançar. Disponível em:  http://www.mscortella.com.br/o-verbo-esperancar-4a. Acesso em 20 de jul. 2020.

 

COSTA, Danielly Quirino da; SENA, Clério Cezar Batista. A influência das emoções na aprendizagem de alunos diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade Censupeg.  Curso de Neuropsicopedagogia Institucional e Educação Especial Inclusiva. Joinville/SC, 2018.

 

DOUG, Lemov. Aula nota 10 - 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo: Da Boa Prosa: Fundação Lemann, 2011.

 

FERREIRA, Lucimar Gracia; FERREIRA, Lúcia Gracia; ZEN, Giovana Cristina.  Alfabetização em tempos de pandemia: Perspectivas para o ensino da língua materna. Fólio – Revista de Letras. Vitória da Conquista; v. 12, n. 2 jul./dez, 2020.

 

GOLEMAN, Daniel. O cérebro e a inteligência emocional: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

 

KANDEL, Eric R. et al.  Princípios de Neurociências. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014)

 

KHAN, Salman. Um mundo, uma escola. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

 

PESSOA, Rockson Costa. Como o cérebro aprende? 1ª ed. São Paulo: Vetor, 2018

 

SBNPp - Resolução SBNPp n° 05. Altera as Resoluções nº 03/2014 e nº 04/2020. Dispõe sobre o “Código de ética técnico profissional da neuropsicopedagogia e suas alterações”. Joinville/SC, 12 de abril de 2021.

 

SENA, Cezar. A relação afetiva professor e aluno, revelada por seus diários. Curitiba: Appris, 2013.

 

SENGE, Peter. Escolas que aprendem: um guia da Quinta Disciplina para educadores, pais e todos que se interessam por educação. Porto Alegre: Artmed, 2005.

 

UNIBANCO Instituto. Estudos estimam impacto da pandemia na aprendizagem. Disponível em: https://www.institutounibanco.org.br/conteudo/estudos-estimam-impacto-da-pandemia-na-aprendizagem/ Acesso em 16 de dez. 2021



1Acadêmico do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Neuropsicopedagogia Clínica da Faculdade Censupeg, E-mail: cezar.sena@hotmail.com.

2Professor Orientador dos Cursos de Neuropsicopedagogia da Faculdade Censupeg.

 

[4] PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, é uma avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura, Matemática e Ciências.

[6] Termo usado no espaço terapêutico. Significa CONTEXTO.

[7] SBNPp – Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia

[8] FÜLLE, Angelita; RUSSO, Margarida Toler (org.). Caderno Pedagógico I. Faculdade CENSUPEG, Joinville, 2019.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A EDUCAÇÃO COMO MISSÃO




 

Cezar Sena[1]

Que a educação é importante e necessária para a humanidade, não há dúvidas. É o maior legado que os pais desejam deixar para os filhos. Quem nunca ouviu os famosos ditados “estude meu filho para ser alguém na vida” ou “educação é o maior tesouro”. Os políticos apontam que a educação é a prioridade nos seus programas de governos. Mas infelizmente como podemos verificar nos resultados, não passam de retórica e programas de intenções. Nosso país ainda continua na lanterninha no ranking mundial de educação, apesar de muitos investimentos financeiros. É inegável o considerável aumento do acesso à educação, mas no quesito de qualidade, continuamos patinando.

Me tornei educador por acreditar no poder de transformação social e pessoal da educação. Assumir o desafio como a MISSÃO da minha vida. Mas não foi uma escolha a priori. Tinha o sonho de estudar psicologia ou direito, mas a realidade me levou a cursar pedagogia (curso que podia pagar na época). No princípio a ideia era apenas conseguir emprego como professor para bancar meu sonho. Como sou determinado e dedicado, procurei dar o melhor nos estudos, fui aperfeiçoando cada vez mais, e aos poucos, sem perceber, tinha sido “contaminado” pelo “vírus” da educação, emendando a graduação com especializações, cursos de atualizações, MBA, mestrado em educação, me profissionalizando cada vez mais.

Nestes mais de 25 anos de atuação, atuando em vários cargos e funções, tenho convicção que a educação me proporcionou inúmeras conquistas, sou quem sou, graças ao poder transformador da educação. Todo o educador precisa ter ciência e consciência que por meio da sua atuação profissional está contribuindo para a melhoria da sociedade. Como já dizia Paulo Freire no seu livro Pedagogia da Autonomia “Não posso ensinar o que não sei. Mas, este, repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras ao vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver concretamente com os educandos. O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática”.  

O gosto de aprender para ensinar me acompanha deste a infância. Puxando a memória, posso dizer que desde criança exerci a prática educadora: catequista aos 13 anos; líder de grupo de jovens, da Pastoral da Crianças e coordenador de comunidade aos 15 anos (na Bahia). A primeira vez que entrei numa sala de aula formalmente como professor foi aos 17 anos, para alfabetizar os pais das crianças atendidas pela Pastoral da Criança, na época estudante do magistério (1989).  

No seu livro o Grande Potencial, o autor Shawn Achor, diferencia os conceitos de emprego, carreira e missão. “Um emprego não passa de uma atividade a ser suportada em troca de um salário. Uma carreira é um trabalho que oferece prestígio ou uma posição na sociedade. Uma missão é um trabalho que você considera parte integral da sua identidade e do sentido da sua vida, uma expressão de quem você é e uma fonte de gratificação e propósito”. Portando, partindo desses pressupostos posso afirmar que na educação descobri o meu propósito de vida, que é contribuir por meio da minha atuação profissional para uma sociedade mais justa, plural e solidária, ou seja, fazer a diferença na vida das pessoas. Deixo aqui um conselho - Descubra e assuma sua missão e verás que o peso das responsabilidades se tornará mais leve e gratificante.



[1] Mestre em Educação – PUC/SP; Especialista em Gestão – USP; MBA em Gestão Empreendedora – UFf; Diretor de Escola Estadual; Prof. Universitário; Escritor, Coach e Palestrante.  Insta: @cezar.sena / Youtube: Cezar Sena

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