domingo, 30 de outubro de 2016
AS INTERRELAÇÕES NO ESPAÇO ESCOLAR: A CONTRIBUIÇÃO DO AFETO PARA A APRENDIZAGEM
Clério Cezar Batista Sena
Eleonora Maria Pellini Vargas
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir a respeito da comunicação entre escola e aluno. Aborda ainda sobre a vinculação parental, sua importância em relação às primeiras construções infantis e a introdução da criança no mundo da linguagem. Aponto como a escola faz tudo isto perder a significação quando se inicia o letramento acarretando, em muitos casos, o que chamamos de dificuldade de aprendizagem. Apresenta que o conceito de “criança desejante” é diferente do conceito de “aluno desejado”. A escola tem sido vítima de uma violência que ela mesma tem originado ou, pelo menos, reforçado. O modelo vigente, no que se refere ao tempo das aulas (cinquenta minutos) e ao espaço (salas fechadas), precisa ser repensado, pois podam a criatividade e restringe a liberdade. O artigo aponta, então, para uma nova metodologia, onde em todos os espaços da escola há aprendizado. Neste modelo, o educando pode envolver-se pessoalmente, auto iniciando e auto avaliando sua busca para o aprendizado e a significação deste.
Palavras chave: Vínculo. Aprendizagem. Afeto. Autoconhecimento. Inter-relações.
1. INTRODUÇÃO
São intensas as transformações que a sociedade vem experimentando nos últimos anos decorrente do processo de globalização. São mudanças que afetam diferentes setores, mas que estão interligados por fazerem parte da vida cotidiana das pessoas. Esses segmentos são nas áreas, social, econômica, política, cultural e educacional. A consequência disso é o aparecimento de uma nova forma de comunicação e a educação (escola / sala de aula/educador) assume um papel significativo neste contexto, pois lida diretamente com a informação e a formação dos adultos de amanhã e, por isso, precisa rever urgentemente sua prática, reformular sua forma de comunicar-se, para não correr o risco de ser considerada inadequada e incompetente e, efetivamente, formar um cidadão capaz de intervir de forma crítica na comunidade em que está inserido.
A escola confunde-se, quando faz a diferença entre o que é “ser criança” e o que é “ser aluno”. O senso comum diz que a criança é alegre, espontânea, expansiva, irrequieta, falante. Por outro lado, há a expectativa de que um bom aluno deve ser estudioso, bem comportado, calado, sossegado, interessado, cumpridor dos deveres, alguém que somente absorve a informação e obedece. Fica então evidenciada uma diferença entre a concepção ‘do ser criança - a desejante’ e ‘do ser aluno - o desejado’.
A partir dessa diferença, podemos formar uma imagem de que criança ao cruzar o portão da escola, deve deixar de ser a “criança desejante” e começar a ser o “aluno desejado”. Isto significa ignorar a leitura de mundo que a criança realiza e subestimar os mecanismos que ela utiliza para concretizar suas aprendizagens. A professora deve ensinar tudo, as crianças devem repetir o que foi ensinado - assim é que se tem realizado a aprendizagem, na maioria de nossas escolas. O discurso acadêmico é um, mas a prática é outra. A aprendizagem se transforma num processo que fica dependente, exclusivamente, da estimulação externa. A maior parte das escolas apresenta currículos padronizados sem levar em conta a realidade de cada aluno. Por sua vez, os materiais didáticos em sua maioria, reforçam a visão de uma realidade padronizada e imutável. Os assuntos são trabalhados de maneira acadêmica, sem levar em conta o cotidiano dos alunos.
Na maior parte das vezes, os alunos percebem no seu dia a dia, relações extremamente interessantes com alguns conteúdos ensinados, mas não conseguem se expressar em sala de aula, pois seus(as) professores(as) trazem tudo “pronto e acabado” e temem que os questionamentos dos alunos atrapalhem suas aulas. O desejo é deixado fora dos portões e a maioria dos estudantes sente, em si mesmo, um primeiro luto. É significativamente triste este momento. Embora se mostrem em grande algazarra, em grupos, no pátio, quando estes são chamados a ingressar nas salas, pode-se ler nos rostos e olhares, a configuração de algo que os desanima.
(...) Imediatamente depois do Maternal, a criança de seis anos é “parafusada” numa cadeira dura para estudar palavrório durante horas e horas. Será por acaso que a criança em desenvolvimento, essa força da natureza, essa exploradora aventurosa, é mantida imóvel, petrificada, confinada, reduzida à contemplação das paredes, enquanto o sol brilha lá fora, obrigada a prender a bexiga e os intestinos, 6 horas por dia, exceto alguns minutos de recreio, durante sete anos ou mais? (...) Faz um século que vemos as crianças arrastando os pés embaixo das carteiras, entortando o corpo e pulando como rãs quando a sineta bate.
Esse tipo de manifestação é atribuído a turbulência infantil - nunca à imobilidade insuportável imposta às crianças - a culpa é sempre da própria vítima. Não, não é um acaso, é um plano. Um plano desconhecido para os que o cumprem. Trata-se de domar. Domesticar fisicamente essa máquina fantástica de desejos e prazeres que é a criança (ROCHEFORT, 1980, p. 47)
O desempenho dos alunos reflete um mecanismo apenas imitativo e não criativo e transformador. Imitar e copiar deveria ser um pressuposto do que existe para, a partir daí, criar o novo. Infelizmente, o que vemos é apenas uma imitação obrigatória e autoritária, no sentido de que somente o que o professor traz é que está certo. Aliado a este modelo encontramos também uma compreensão equivocada do que vem a ser o “construtivismo”, pois muitos professores acreditam que deixando o aluno realizar tarefas de acordo com seu interesse, estão sendo construtivistas. Mas não é bem assim, pois isto transforma o momento da aprendizagem em algo desorganizado e sem planejamento.
Deixar que a criança construa seu conhecimento é importante, mas a figura do professor será sempre relevante para orientar aquele centro de interesse, para mediar e também facilitar, levando seu aluno a pensar, a descobrir e a construir sua aprendizagem. Levar o aluno à reflexão construtiva requer do profissional de educação habilidade e paciência. Ter sempre seus objetivos muito claros para não permitir que os alunos desvirtuem-se no processo de aprendizagem, é uma questão de ordem. Professor e alunos devem se sentir parte desta construção, como se todos estivessem em uma viagem, dentro do mesmo barco. Porém, quem tem a mão no leme é o professor, pois seu objetivo é assegurar aos viajantes que estão em boas mãos, e que embora muito se possa e se deva conhecer e aprender pelo caminho, é importante chegar ao destino final.
É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo que se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações com o conhecimento e a cultura que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação (PÉREZ GÓMEZ, 2000, p. 25).
Pensar sobre tudo isto e uma revisão de posturas e procedimentos torna-se urgente, pois a escola vem perdendo um espaço importante na vida do educando por conta de estabelecer uma disputa - na qual está sempre em desvantagem - mantendo um paradigma arcaico e sem expressão, ao invés de aliar-se às novas tecnologias e utilizá-las como ferramenta para atingir objetivos mais nobres do que essas tecnologias têm apresentado - afinal a escola tem compromisso com o avanço social e a indústria do entretenimento está mais preocupada em adquirir audiência e adeptos - e ainda tornando-se (a escola) um espaço de violência, a partir da violência que ela mesma tem originado.
2. A ESCOLA QUE QUEREMOS: A TEORIA E A PRÁTICA
De acordo com Bernstein apud Pérez Gómez, (2000, p. 25), “a escola deve transformar-se numa comunidade de vida e, a educação deve ser concebida como uma contínua reconstrução da experiência”.
Provocando essa reconstrução, a escola facilitaria o processo de aprendizagem permanente, e isto deve acontecer para ensinantes e aprendentes, entendendo que professores e alunos ora estão em uma posição, ora estão em outra. Porém, o que se percebe na prática são professores e especialistas instituídos, solitários em suas funções sem perceberem que precisam de ajuda, ou então, o que é pior, sem admitirem. Rever currículos escolares, adaptar conteúdos programáticos à realidade dos alunos de modo a torná-los mais funcionais são medidas importantes, no entanto, parece-nos igualmente importante criar um espaço na escola capaz de exercer uma educação libertadora do ser, fazendo emergir o desejo reprimido, promovendo o sentir, para que se realize uma aprendizagem criativa e transformadora possibilitando a inovação, a renovação e, consequentemente, a integração plena do homem e seu compromisso com o desenvolvimento da humanidade (PÉREZ GÓMEZ, 2000).
No trabalho direto com alunos de nível fundamental de diversas escolas e na aplicação de projetos psicopedagógicos, dentro do ambiente escolar, observa-se que a prática pedagógica está ainda muito longe do discurso acadêmico dos especialistas. Parece-nos que esta lacuna é imensa! Considerando a definição de Pichon Revière (1980, p. 24) para vínculo, como sendo “uma forma específica de inter-relacionamento, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento”, salientamos que é exatamente neste particular que sentimos que a escola está doente, pois professores e alunos têm transferido seus conflitos e depositado seus problemas neste espaço, transformando o ambiente escolar num verdadeiro ringue. Neste aspecto, faz-se a catarse, mas isto não tem resolvido. Catarse é liberação de emoções contidas e em excesso e, por isso, o espaço da escola tem estado cheio de pequenos delitos (relações agressivas) que precisariam ser re-significados, para serem utilizados novamente em benefício da otimização do vínculo entre as pessoas e com a Instituição. Isto facilitaria a aprendizagem e possibilitaria a retomada do desenvolvimento tanto de professores como de alunos, ou seja, da relação ensino-aprendizagem.
Contudo, neste mesmo trabalho percebe-se também que em algumas escolas (poucas), há um vínculo saudável na relação professor/aluno. Este resultado se deve à mudança de um modelo autoritário, vertical, distante e conflitante, para outro mais amigo, horizontal, atencioso e, principalmente, afetivo sem, contudo, perder a autoridade. Para tal, é preciso conceber o espaço da escola, como um laboratório onde seja possível realizar investigações e revisões. Investigar e rever os sujeitos, as relações, as experiências, o objeto do conhecimento, a metodologia, as formas de avaliar, os sinais e os sintomas que emergem. É a ressignificação dos vínculos entre ensinantes e aprendentes e com a aprendizagem. Educadores e educandos precisam formar “uma unidade dialética na qual atuam um sobre o outro” (Pichon-Rivière, 1980, p.13) de forma saudável e construtiva.
Considera que o processo de aprendizagem da realidade externa é determinada pelas características resultantes da aprendizagem prévia da realidade interna, estabelecida entre o sujeito e seus objetos internos. Os vínculos internos e externos se integram em um processo que configura uma permanente espiral dialética. Produz-se uma passagem constante daquilo que está dentro, para fora, e do que está fora, para dentro (PICHON-RIVIÈRE, 1980, p.15)
E completa afirmando que “aquilo que o homem tem de mais primitivo e imperioso é a sua necessidade de comunicação. O vínculo com o outro é seu objetivo central, tanto na aproximação quanto no isolamento” (PICHON-RIVIÈRE, 1980, p.15). Portanto, é necessário que o educador esteja muito atento ao tipo de comunicação que seu aluno está demonstrando, a fim de realizar uma leitura que permita uma atuação pedagógica adequada e oportuna, ou encaminhamento ao especialista, ou ainda, direcionar este aluno a algum tipo de atividade que o auxilie a “recuperar sua qualidade dialética, que é o que permite o desenvolvimento normal da personalidade”. (p. 18). Muitas vezes, o jovem busca o prazer, o fantástico da drogadição, por não ter tido a oportunidade de falar sobre seus anseios, suas dúvidas e revoltas, numa busca de autoconhecer-se. Porque teve uma “qualidade dialética” com seus pais inicialmente e com seus mestres, posteriormente, insuficiente.
É preciso, portanto, reinventar a escola. Parte dessa mudança está relacionada diretamente ao papel do profissional da educação que precisa realizar uma fusão entre o professor, o pedagogo e o educador, para desempenhar seu trabalho com mais qualidade. Enquanto o professor pensa na informação que deseja transmitir, o pedagogo pensa a metodologia mais apropriada, mais didática, considerando informações prévias sobre o público alvo e o educador trará a essência filosófica que fundamenta o conhecimento humano, a qual não pode ficar longe da informação e da metodologia, afim de não deixá-las estéril. Esses três elementos formadores, será uma única pessoa, que poderíamos chamar, segundo Rogers, ‘facilitador de aprendizagem’. Para Rogers (1973, p. 103), “os estudantes aprendem realmente e se divertem durante a aprendizagem, quando o professor (facilitador de aprendizagem) fixa um ambiente que encoraje a sua participação responsável na seleção de metas e nas maneiras de alcançá-las”.
Para se concretizar tal ideação, acredita-se que seja necessária uma reformulação nos currículos programáticos dos Centros e Faculdades, formadores dos profissionais da educação. Porém, enquanto isto não acontece alguma alternativa se pode buscar, mesmo que de forma isolada, a partir de uma tomada de consciência dos educadores que não se conformam com um sistema autofrustrador de ensino e que se preocupam com a qualidade da formação humana de seus alunos.
O educador tem procurado se capacitar em neurociências participando de congressos, cursos de curta-duração e pós-graduações com a expectativa de que essa formação possa contribuir para a resolução dos problemas na escola. É importante esclarecer que as neurociências não propõem uma nova pedagogia e nem constituem uma panaceia para a solução das dificuldades da aprendizagem e dos problemas da educação. Elas fundamentam a prática pedagógica que já se realiza, demonstrando que, estratégias pedagógicas que respeitam a forma como o cérebro funciona, tendem a ser mais eficientes. Segundo Stern (2005), a neurociência por si só não pode fornecer o conhecimento específico necessário para elaboração de ambientes de aprendizagem em áreas de conteúdo escolar específicas, particulares. Mas fornecendo “insights” sobre as capacidades e limitações do cérebro durante o processo de aprendizagem, a neurociência pode ajudar a explicar porque alguns ambientes de aprendizagem funcionam e outros não (GUERRA, 2011)
3. AS RELAÇÕES E O ESPAÇO ESCOLAR
Apesar de algumas felizes, mas isoladas tentativas de mudança, a escola continua oferecendo um trabalho restrito no que se refere ao tempo e ao espaço - aulas de cinquenta minutos dentro de salas fechadas. E o essencial da escola, infelizmente, limita-se a esse tempo e a esse espaço. Todos os procedimentos ocorridos nos pátios e corredores ficam “perdidos”. Mesmo as aulas de Educação Física não são devidamente respeitadas, provavelmente por acontecer neste espaço menos valorizado. Muito bom seria se a escola diversificasse, oferecendo aos alunos várias possibilidades, como por exemplo, ambientação variada em salas, pátios, jardins e corredores. Produção de conhecimento em todos os cantos da escola e liberdade para os alunos circularem nesses ambientes, a fim de que se sintam livres para decidir onde trabalhar e quanto tempo dedicar a uma, ou várias tarefas, digamos, assim como eles fazem com suas TVs e suas brincadeiras.
Na afirmativa de Rogers, (1973, p. 104) trata-se de uma “liberdade para aprender”. A aprendizagem deve acontecer pela experiência do aprendiz, evoluindo em estágios. Uma aprendizagem que envolva “sentimentos ou significados pessoais”.
É como a afirmação de Viola Spolim, (1979) mostrando como isso funciona para alunos jogadores e/ou alunos atores. Sem uma autoridade de fora impondo-se aos jogadores dizendo-lhes o que fazer, quando e como, cada um livremente escolhe a autodisciplina ao aceitar as regras do jogo (‘desse jeito é mais gostoso’) e acata as decisões de grupo com entusiasmo e confiança. Sem alguém para agradar e dar concessões, o jogador pode, então, concentrar toda sua energia no problema e aprender aquilo que veio aprender.
Os facilitadores de aprendizagem, dentro deste modelo, trabalhariam com projetos de acordo com os espaços ambientes nos quais fossem responsáveis e estariam sempre promovendo ações educativas que auxiliassem os educandos a refletir e a inferir. Para isso, será necessário que estes facilitadores tenham, além dos conhecimentos específicos, conhecimentos pedagógicos, didáticos, metodológicos e filosóficos. Tudo isto aliado ao bom senso e ao amor pela profissão e por seus alunos.
A avaliação dos alunos para a necessária progressão estaria vinculada à produtividade dos mesmos, como cita Rogers (1973), “evoluindo em estágios”, respeitando sempre a possibilidade de cada um, ou seja, somente não haveria progressão para aqueles que nada produzissem. O estímulo para um trabalho de qualidade aconteceria através da essência filosófica ministrada com os conteúdos neste novo paradigma metodológico. A própria produção apresentada, nesses momentos educacionais e informativos, mostraria a cada um o quão são capazes de produzir “sozinhos” ou em grupo, realimentando-os em seus anseios e necessidades. A competição poderia estar presente, mas não entre os alunos e sim consigo mesmo. Teria o caráter de “vencer a si mesmo” – superar-se.
(...) os elementos envolvidos em tal aprendizagem significativa ou experiencial tem a qualidade de um envolvimento pessoal – a pessoa, como um todo, tanto sob o aspecto sensível, como sob o aspecto cognitivo, inclui-se no fato da aprendizagem. Ela é auto-iniciada. Mesmo quando o primeiro impulso ou estímulo vem de fora, o senso da descoberta, do alcançar, do captar e do compreender vem de dentro. É penetrante. Suscita modificação no comportamento, nas atitudes, talvez mesmo na personalidade do educando. É avaliada pelo educando. Este sabe se está indo ao encontro de suas necessidades, em direção ao que quer saber, se a aprendizagem projeta luz sobre a sombria área de ignorância da qual ele tem experiência. O lócus da avaliação pode-se dizer, reside, afinal, no educando. Significar é a sua essência. Quando se verifica a aprendizagem, o elemento de significação desenvolve-se, para o educando, dentro da sua experiência como um todo (ROGERS, 1973, p. 5, grifos dos autores)
Fundamentando ainda mais essa prática, recorremos ao precioso depoimento, de uma menina de 6 anos e 6 meses de idade, chamada Michele. Tal depoimento encontra-se transcrito, na íntegra, no livro A Escrita Infantil, de Selber (1997), capítulo 7, cujo título é “A Conquista da Base Alfabética”. Ao ser perguntada por sua professora Raquel, como aprendeu a ler e escrever certas palavras, Michele responde - “descobri”. Nesse momento, ela se refere a uma das descobertas que fez comparando a palavra “banana” e “Hernano” (nome de seu tio, dono do sítio onde ela estava quando fez as inferências). Ela descobriu que o [nã] existe em ambas e que o [na] também, só que na primeira tem o [a] e na segunda tem o [o]. Assim ela fez inferências sobre semelhanças e diferenças e usou o nome de uma pessoa significativa. Ela diz “descobri”, e não que sua professora lhe disse. A professora não disse, mas promoveu uma ação educativa que possibilitou a descoberta deste caminho, mesmo quando Michele estava fora da escola. Nada foi imposto de fora para dentro, aconteceu naturalmente a partir de coisas significantes para Michele, e no tempo dela. Isto fica muito claro ao longo da leitura do depoimento da criança.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Porém, sempre vão existir os alunos resistentes, seja em participar de algum projeto, seja ao próprio processo de aprendizagem. Em consequência, não apresentariam produções e teriam seu desenvolvimento comprometido. Seriam, portanto, respeitados em suas escolhas, mas seriam mantidos nos projetos iniciais – no “estágio” inicial - respeitando-se as suas próprias limitações e o seu tempo. Mas, tais alunos não seriam simplesmente esquecidos. Conversas “informais”, afetivas e especializadas, entre os facilitadores e esses estudantes aconteceriam em determinados momentos interativos e interpessoais, a fim de despertar no propósito confiança e afeto. Afinal, de acordo com o dito popular “quando se conquista o coração, arrasta-se o cérebro”. Este seria um momento muito importante do processo. Vejamos o exemplo da professora de Michele (Raquel), comentado por Selber, (1997), em relação a importância de uma atuação psicopedagógica afetiva.
Michele age com os amigos do mesmo modo como agem com ela. Há respeito mútuo. Em virtude da qualidade desse intercâmbio desenvolvido entre Michele e seu professor, ela aprendeu a raciocinar e a se colocar na posição daqueles que estão em uma etapa precedente a sua. (p.175)
Os conhecimentos têm um aspecto afetivo e um aspecto intelectual que, embora distintos, são indissociáveis e se influenciam mutuamente. Os mesmos aspectos e a mesma interdependência aparecem na postura do professor quando ele interage com suas crianças, pouco importando a técnica. (p. 179)
Quando o procedimento pedagógico é muito técnico, a relação é fria. A criança pode até aprender, mas jamais o seu aprendizado terá qualidade, porque a aprendizagem técnica, sem vínculos afetivos, leva o aluno a memorização e não à compreensão. Ele não seguirá adiante e ficará esperando que o próximo passo venha sempre de fora. A aprendizagem se torna dependente e restrita.
Aprende-se com a cognição, mas sem dúvida alguma, aprende-se pela emoção, o desafio é unir conteúdos coerentes, desejos, curiosidades e afetos para uma prazerosa aprendizagem. (RELVAS, 2010)
Felizmente, algumas escolas já realizam um trabalho semelhante ao descrito por Selber (1997) e têm obtido um resultado bem superior àquelas que resistem às mudanças. Porém, no dia em que uma consciência de dever educacional perpassar os objetivos daqueles que pensam e fazem a educação, acredito que teremos uma escola mais produtiva e de melhor qualidade.
A organização de grupos terapêuticos supervisionados, também pode ser uma boa saída para se trabalhar as dificuldades de relacionamentos entre os professores, seus pares, a direção e, principalmente, os alunos, pois esses profissionais poderiam estar analisando e discutindo a própria história como aprendentes-ensinantes e re-significando seus problemas, conflitos e procedimentos pedagógicos e afetivos. Afinal, “aprender, é algo que se faz com outro” (FERNÁNDEZ, 2001, p. 23)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNÁNDEZ, Alicia. Psicopedagogia em Psicodrama; Morando no Brincar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
GUERRA, Leonor Bezerra. O diálogo entre a neurociência e a educação: da euforia aos desafios e possibilidades. Revista Interlocução, v.4, n.4, p.3-12, publicação semestral, junho/2011. Disponível em: file:///C:/Users/ClerioCezar/Downloads/91-298-1-PB.pdf, Acesso em: 21/04/2014.
PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
PICHON-RIVIÈRE, Henrique. Teoria do Vínculo. Buenos Aires: Martins Fontes, 1980. Tradução de Eliane Toscano Zamikhouwshy – Seleção e Organização de Fernando Faragano.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência e Educação, gêneros e potencialidades na sala de aula. Rio de Janeiro, 2ª ed. WAK Editora, 2010.
ROCHEFORT, Christiane. In: HARPER, Babette & outros. Cuidado, escola! Editora Brasiliense, São Paulo: 1980
ROGERS, Carl R. Liberdade para Aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973. Tradução de Edgar Machado e Márcio Paulo de Andrade.
SELBER, Maria da Glória. A Escrita Infantil; Capítulo Sete, A Conquista da Base Alfabetica da Escrita. São Paulo: Scipione, 1997.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1979.
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