domingo, 25 de setembro de 2016

UM OLHAR EDUCACIONAL SOBRE AS CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTADAS

Clério Cezar Batista Sena
MESTRE EM EDUCAÇÃO: Psicologia da Educação, PUC/SP, MBA: Gestão Empreendedora Educação, UFF/SESI, Especialista em Gestão da Escola – FE/USP, Psicopedagogo Institucional e Clinico, Especialista em Educação Infantil e Pedagogo. Gestor da EE Tenente Ernesto Caetano de Souza e professor/orientador – Censupeg – Brasil. E-mail: cezar.sena@hotmail.com
Maria Emilia Pompiani
Especialista em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Email: marapompiani@hotmail.com



RESUMO

Este artigo tem o objetivo apresentar o processo de Educação Inclusiva no Brasil e no Mundo. Por meio das bases históricas e legais da educação inclusiva procura demonstrar a longa trajetória percorrida para se chegar aos conhecimentos atuais, sobre alunos com Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD). Apresenta ainda o processo de construção da inteligência, uma vez que ajudará ao educador a tratá-la e educá-la de acordo com suas necessidades especiais no momento mais adequado e propício. No contexto da aprendizagem, todo o processo educacional deverá ser preparado e pertinente pela importância de: aprender, desenvolver, construir a si mesma, observar a vida e as coisas com olhos de interesse e entusiasmo. Portanto, o olhar do professor é a melhor fonte de constatação dessas habilidades e contribuição para o seu desenvolvimento. A criança com altas habilidades e superdotadas fazem parte do cotidiano das salas de aulas e deverão ser inseridas ao meio de maneira natural e harmônica, para que desenvolvam suas potencialidades de maneira tal, que produzam bons resultados, sem sentir-se um estranho entre os outros e sem pressões externas que as levariam a possíveis desequilíbrios psicoemocionais, provocando alterações em seu desenvolvimento global e ainda mais cognitivo e/ou social.

Palavras-chave: Aprendizagem. Altas habilidades. Superdotação. Educação Inclusiva.


1. INTRODUÇÃO


A educação inclusiva para crianças com elevado potencial, nos cenários do nosso país e internacional, tem a proposta clara de conscientização sobre a necessidade de se voltar um olhar mais profundo e cuidadoso sobre a diversidade; sobretudo, aqui neste trabalho, no que tange ao desenvolvimento global de alunos com altas habilidades e superdotação.Pois de acordo com Incontri (2006, p.42), “educar é pois elevar, estimular a busca da perfeição, despertar a consciência, facilitar o progresso integral no ser”.

Frequentemente ouvimos relatos de professores, que em suas salas de aulas encontram crianças “diferentes”, as quais precisam estar ativas o tempo todo, pois algumas de suas características pessoais colocam-nas em evidência sobre os outros.

No entanto, não temos, a pretensão de escrever um tratado sobre o assunto, apenas uma visão resumida de alguns autores, para estabelecer com professores (de todo o país) que o leiam um contato a mais sobre o assunto de modo simples e claro, desta realidade das salas de aula.


2. BASES HISTÓRICAS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


A trajetória da Educação Inclusiva no Brasil não é nova, em se tratando de alunos superdotados, desde 1924 os olhares estão voltados para elas, pois data daí a realização das primeiras validações de testes de inteligência americanos em Recife e no então Distrito Federal - Rio de Janeiro.

O primeiro registro de atendimento realizado é de 1929, no Estado do Rio de Janeiro; neste mesmo ano a psicóloga russa Helena Antipoff é convidada a lecionar psicologia experimental, na Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico em Belo Horizonte, a fim de formar educadores que promovessem uma grande reforma de ensino com bases no princípio da “escola ativa”. (DELOU, 2007).

De ideias inovadoras para a época, a autora salientou a necessidade da educação dos “excepcionais” e fundou a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. Em 1938, identificou oito crianças supernormais. No ano seguinte, a então presidente da Sociedade Pestalozzi do Brasil propôs a inclusão de um parágrafo nos estatutos da instituição. No termo excepcional estão incluídos aqueles classificados acima ou abaixo da norma do seu grupo, visto serem portadores de características mentais, físicas ou sociais que fazem de sua educação um problema especial. (DELOU, 2007, p. 28).

Segundo Novaes (1979), em 1945, Helena Antipoff reuniu nessa sociedade, alunos bem dotados de escolas da zona sul do Rio de Janeiro, que, em pequenos grupos, desenvolveram estudos de literatura, teatro e música. Foram os primórdios do que hoje se conhece como atendimento especializado para alunos com altas habilidades/superdotação.

De acordo com Brasil (1961), foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a qual dedicou dois artigos 8° e 9° à educação dos “excepcionais”, palavra cunhada por Helena Antipoff para se referir aos deficientes mentais, superdotados e com problemas de conduta. A lei, neste momento, enfatizou o tratamento diferenciado a ser dado aos excepcionais, que até então recebiam tratamento assistencialista.

A partir de então, a Educação Especial passou por uma grande expansão em seu atendimento, reflexo de escolas especializadas que passaram a exercer nas políticas públicas de Educação Especial no Brasil e em 1967, o Ministério da Educação e Cultura criou uma comissão para estabelecer critérios de identificação e atendimento aos alunos superdotados.

Em 1971 foi promulgada a Lei 5.692/71, que pela primeira vez, uma lei de ensino previa, explicitamente, que os alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais, os que encontrassem atrasos consideráveis quanto à idade regular de matrículas e os superdotados deveriam receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação.

Em 1979, foi fundada a Associação para Brasileiros Superdotados – ABSD, e, pela primeira vez, as atenções se concentraram no reconhecimento de indivíduos com alto nível de capacidade e potencialidade.

Em 1990, na “Conferência Mundial sobre Educação Para Todos” realizada em Jomtien, Tailândia, o Brasil comprometeu-se oficialmente perante a comunidade internacional a trabalhar em prol da erradicação do analfabetismo e na universalização do ensino fundamental (UNESCO, 1990).

De acordo com Brasil (1994a), o ano de 1994 ficou marcado pela publicação do documento intitulado Política Nacional de Educação Especial. Este documento, fez a revisão dos principais conceitos com os quais a Educação Especial passou a trabalhar sob o paradigma da integração. Neste mesmo ano, em Salamanca, Espanha, ocorreu a “Conferência Mundial Sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade”. No referido evento, foi assinada a Declaração de Salamanca, que em linha gerais de ação política apresentou a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas comuns das redes de ensino.

Ainda de acordo Brasil (1994a), buscando abranger, ao máximo, todos aqueles que estiveram historicamente excluídos das práticas pedagógicas por falta de equidade e de igualdade de oportunidades, a Declaração de Salamanca não excluiu os superdotados, a quem nomeou de bem dotados. Os princípios contra todo tipo de exclusão foram assegurados indistintamente.

Por força da lei, o cenário educacional foi surpreendido com uma nova realidade. Foi publicada a Lei 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também chamada de Lei Darcy Ribeiro. A referida lei foi uma ampliação do que está definido na Constituição Federal, de 1988.

A Constituição garante o “acesso ao ensino obrigatório e gratuito” (Brasil, 1988, Art. 208, IV, §1º) e o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Reafirmado no Artigo 4º, da LDBEN, ao estabelecer que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” por meio da educação escolar pública. E, ainda, alunos com necessidades educacionais especiais também devem ter garantido o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo as capacidades de cada um”, como todos os demais. (BRASIL, 1996 Art. 4º, V).

A Lei 9394/96 também está baseada na Lei nº8069/90 que dispõe sobre Estatuto da Criança e do Adolescente, que declara: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma, de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990, Art.5º).

Da promulgação da LDBEN, em 1996, passaram-se dezesseis anos e todas as evidências demonstram que a inclusão de alunos com AH/SD também requer atendimento especial, uma vez que suas necessidades educacionais são igualmente especiais, e, desse modo, precisam ser identificadas e contempladas de maneira especializada nas escolas, merecedores que são ao direito à educação de qualidade e de alto nível.

3. DIAGNÓSTICO E/OU IDENIFICAÇÃO DE CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO


É um imenso desafio para psicólogos e pesquisadores fazer a identificação e avaliação de alunos AH/SD, que deverá ter como bases referenciais teóricos consistentes e resultados de pesquisa sobre o tema.

A tarefa é difícil e complexa, e o objetivo é discutir maneiras de construção no processo de identificação e que produzam informações sobre o aluno com alto potencial e oriente a prática docente no planejamento de suas aulas, seleção de estratégias de ensino e métodos de avaliação do desempenho escolar.

De acordo com Guimarães e Ourofino (2007), essa identificação só terá sentido se for possível oferecer também um conjunto de práticas educacionais que venham a atender às necessidades e favorecer o desenvolvimento do aluno; ela deverá acontecer o quanto antes para se evitar problemas como o baixo rendimento escolar, o desajustamento e o desinteresse pelo conteúdo em sala de aula, dentre outros. Desse modo, os instrumentos mais utilizados nos programas de atendimento a esses alunos tem sido:

• Testes psicométricos;
• Escalas de características;
• Questionários;
• Observação do comportamento;
• Entrevistas com a família e professores, entre outros.

Com relação aos testes padronizados, o escore em um teste não pode assegurar que uma criança é ou não superdotada e tão pouco pode predizer as habilidades futuras que o indivíduo irá desenvolver. Escalas e testes não fazem diagnósticos, entretanto são ferramentas importantes e servem de rastreamento, pois fornecem dados objetivos úteis para avaliação, intervenção e pesquisa. (BENCZIK, 2000).

Colangelo e Davis (1997) apud Guimarães e Ourofino, (2007), afirmam que muitos alunos são prejudicados, rotulados ou considerados superdotados com baixo rendimento acadêmico, devido à falhas no processo de identificação de suas potencialidades, e sugerem que no processo de avaliação sejam incluídas atividades que verifiquem habilidades diversas como a aritmética, espaço-temporal, de seqüência lógica e de solução de problemas relacionados a situações da vida cotidiana.

Os autores acrescentam, ainda, que a avaliação deve ir além das habilidades refletidas nos testes de inteligência, de aptidão e de desempenho. O autor propõe que a ênfase seja dada nas observações colhidas por “juízes” que possam acompanhar o desempenho e as habilidades quando a criança estiver engajada em alguma atividade.

O processo de identificação de alunos com AH/SD, na maioria, se não todos, adotam o “Modelo dos Três Anéis” proposto por Renzulli, (1978) a saber: habilidades excepcionais, criatividade, motivação, sendo a intersecção dessas três características o ponto de sobredotação. (CORREIA, 2007),

Ele deve envolver uma avaliação abrangente e multidimensional, que englobe variados instrumentos e diversas fontes de informações (como indivíduo, professores, colegas de turma e familiares), levando-se em conta a multiplicidade de fatores ambientais e as riquíssimas interações entre eles que devem ser consideradas como parte ativa desse processo. (GUIMARÃES e OUROFINO, 2007, p. 57).

Atualmente, as características como criatividade, aptidão artística e musical, liderança, entre outras, são também consideradas, porém não são medidas por testes de inteligência, tornando essa identificação bem mais complexa. É importante destacar o julgamento, avaliação e observação do professor. Ele desempenha um papel significativo no processo de identificação do aluno com altas habilidades/superdotação.

Delou (1987), também elaborou uma lista de indicadores de superdotação que serve de parâmetros para observação de alunos em sala de aula. Alguns exemplos destes indicadores são:
• O aluno demonstra prazer em realizar ou planejar quebra-cabeças e problemas em forma de jogos;
• O aluno mantém e defende suas próprias ideias;
• O aluno sente prazer em superar os obstáculos ou as tarefas consideradas difíceis;
• O aluno dirige mais sua atenção para fazer coisas novas do que para o que já conhece e/ ou faz;
• O aluno usa métodos novos em suas atividades, combina idéias e cria produtos diferentes;
• O aluno põe em prática os conhecimentos adquiridos.

De acordo com Guimarães e Ourofino (2007), a escala para Avaliação das Características Comportamentais de Alunos com Habilidades Superiores – revisada, desenvolvida por Renzulli, Smith, White, Callahan, Hartman e Westberg, a ser respondida pelos professores, é também uma opção no processo de identificação. A escala avalia a frequência com que certos comportamentos relacionados, em especial, à aprendizagem, criatividade e motivação são registrados no dia-a-dia do aluno. Exemplos de itens desta escala são:

1) APRENDIZAGEM

• O aluno demonstra vocabulário avançado para a idade;
• O aluno possui uma grande bagagem de informações sobre um tópico específico;
• O aluno tem facilidade para lembrar informações;
• O aluno tem perspicácia em perceber relações de causa e efeito.

2) CRIATIVIDADE
• O aluno demonstra senso de humor;
• O aluno demonstra espírito de aventura ou disposição para correr riscos;
• O aluno demonstra atitude não conformista, não temendo ser diferente;
• O aluno demonstra imaginação.

3) MOTIVAÇÃO
• O aluno demonstra obstinação em procurar informações sobre tópicos de seu interesse;
• O aluno demonstra persistência, indo até o fim quando interessado em um tópico ou problema;
• O aluno demonstra envolvimento intenso quando trabalha certos tópicos ou problemas;
• O aluno demonstra comportamento que requer pouca orientação dos professores.

Ainda de acordo com Feldhusen, Renzulli e Reis, apud Guimarães e Ourofino (2007) a indicação por parte de colegas de turma é uma alternativa a ser utilizada no processo de identificação do aluno com altas habilidades/superdotação, porém pouco explorada. É possível perguntar aos alunos de uma classe:

• Quais são os alunos de sua turma que sempre têm muitas idéias boas?
• Quais são os alunos de sua turma que desenham muito bem?
• Quais são os colegas que são muito bons em matemática?
• Quais são os colegas de turma que sempre têm idéias diferentes?
• Em sua sala de aula, quem você pediria ajuda em seu dever de casa de ciências?
• Em sua sala, quem você considera o melhor esportista? Músico? Escritor?
• Em sua sala de aula, quem tem mais senso de humor?
• Em sua sala, quem é o melhor aluno?

Ainda de acordo com os autores acima, em um formulário de auto-indicação, o aluno aponta as áreas em que ele julga que apresenta alta habilidade ou talento, descreve projetos e/ou atividades desenvolvidas por ele que ilustram seu desempenho superior na área, lista livros que ele leu relacionados a sua área de interesse, justifica seu interesse em participar de um programa especializado, descreve hábitos de leitura, áreas de interesse, etc.

Na família, os pais podem ser solicitados a indicar atividades na escola e fora do contexto escolar, que seu filho gosta de realizar, descrever características, áreas de interesse e de destaque do filho, relatar o processo de desenvolvimento de seu filho ao longo dos anos (por exemplo, quando aprendeu a andar, a falar, a ler, a escrever etc.), comentar sobre o relacionamento do filho com membros da família e colegas, descrever o desempenho escolar do filho e seu envolvimento com as tarefas escolares.

Segundo Renzulli e Reis (1997) apud Guimarães e Ourofino (2007, p. 58) exemplos de tais itens são:

• Meu filho gasta mais tempo e energia que seus colegas da mesma idade em um tópico de seu interesse;
• Meu filho estabelece metas pessoais e espera obter resultados do seu trabalho;
• Meu filho continua a trabalhar em um projeto mesmo quando este apresenta problemas ou os resultados demoram a surgir;
• Meu filho sugere maneiras imaginativas de se realizar atividades, mesmo que as sugestões não sejam, algumas vezes, práticas;
• Meu filho usa materiais de forma original;
• Meu filho gosta de brincar com ideias, imaginando situações que provavelmente não ocorrerão;
• Meu filho acha engraçadas situações que normalmente não são consideradas engraçadas pelos colegas de sua idade;
• Meu filho prefere trabalhar ou brincar sozinho ao invés de fazer alguma coisa apenas para fazer parte de um grupo.


3.1 PIAGET E SUA TEORIA DE DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA


Os estudos e explicações de como se desenvolvem as habilidades superiores em alguns seres humanos ainda não são bem claros, no entanto os pesquisadores da área apontam para dois fatores que influenciam o desenvolvimento da inteligência: a herança genética e a estimulação ambiental. (GIFFONNI, 2010).

O enfoque piagentiano demonstra que a evolução da inteligência ocorre pela estimulação dos mecanismos internos a partir do contato com o ambiente, delineando assim, cada ser humano como individualidade única e diferenciada.

Segundo Piaget (1997), os estímulos recebidos do meio geram desequilíbrios no interior do psiquismo humano e esses desequilíbrios os levam a ação que tendem a autorregular-se através de processos cognitivos, tentando superá-los ou ultrapassá-los. A palavra motivação deriva daí: motivo que leva a ação; a ação provoca a atuação e inteiração com seu meio resultando na ativação dos processos de desenvolvimento e aprendizagem.

Ainda de acordo com o autor, os conflitos encontrados em todas as áreas: cognitiva, moral e emocional provocam infinitos desequilíbrios e reequilibrações, indispensáveis ao desenvolvimento do ser em suas dimensões física, mental, emocional, social e espiritual.

Este processo de desequilíbrio/reequilibração permite a assimilação do conhecimento e aprendizagem, porque é por meio dele que o ser retira do ambiente as informações que passam a fazer parte da organização psíquica, construindo assim percepções mais organizadas e realiza ações mais eficazes e adaptativas.

O desenvolvimento intelectual envolve uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Assim, do ponto de vista da inteligência, é fácil se opor à instabilidade em coerência relativas às ideias infantis, à sistematização de raciocínio no adulto. No campo da vida afetiva, notou-se, muitas vezes, quanto o equilíbrio dos sentimentos aumenta com a idade. E, finalmente, também as relações sociais obedecem à mesma lei de estabilização regular. (PIAGET, 1997, p.13)

E, no caso das AH/SD? Como o psiquismo dessas pessoas reagem diante de certos estímulos? Ainda de acordo com as idéias de Piaget (1997), admite-se que o processo que leva à evolução de um estágio de desenvolvimento para o próximo é o mesmo para todos os seres humanos, o que vai produzir diferenças entre os “normais” e os “superdotados” é o modo e o ritmo como as estruturas cognitivas se organizam nas tentativas de entender e adaptar-se ao mundo. Piaget deixa clara a base da sua teoria da construção da inteligência:

É, portanto, em termos de equilíbrio que vamos descrever a evolução da criança e do adolescente. Deste ponto de vista, o desenvolvimento mental é uma construção contínua comparável à edificação de um grande prédio que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido ou à montagem de um mecanismo delicado, cujas fases gradativas de ajustamento conduziriam a uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores quanto mais estável se torna-se o equilíbrio (PIAGET, 1997, p.14)
Isto quer dizer que as diferentes possibilidades de reorganização nas estruturas cerebrais responsáveis pelo conhecimento é um aspecto fundamental para as variações das manifestações intelectuais, até mesmo as altas-habilidades/superdotação.

Sabemos que no processo de desenvolvimento humano, a maturação do sistema nervoso permite que os estímulos oferecidos sejam transmitidos e assimilados por conexões neurais, chamadas de sinapses que geram respostas motoras e emocionais, constituindo a aprendizagem e a memória, de posse destas, estabelecem-se níveis sucessivos de complexidade que levam ao desenvolvimento da capacidade de fazer abstrações cada vez maiores.

Piaget (1978), não se dedicou a pesquisas específicas sobre a AH/SD, mas alguns conceitos e noções que estabeleceu em sua teoria podem enriquecer esse assunto. Uma destas noções é a de autorregulação - função que está presente em todos os processos biológicos dos seres vivos. Ele afirma que a construção do conhecimento pelos seres humanos obedece ao funcionamento de mecanismos fisiológicos que acontecem no interior das estruturas cognitivas. Ele se refere a um potencial endógeno de mutação e de recombinação que se manifesta num poder ativo de autorregulação.

Isto significa dizer que existem possibilidades variadas e inusitadas no processo de construção da inteligência e a maneira própria e peculiar do sujeito responder aos novos estímulos e até mesmo, aos estímulos já conhecidos, ou seja, o ser humano consegue dar respostas novas e mais aprimoradas ao mesmo estímulo.

Crianças com AH/SD possuem trilhas neurais de maiores amplitudes, ou seja, mais desenvolvidas e ampliadas, fato que lhes faculta respostas rápidas e aprimoradas frente aos estímulos a elas apresentados.



4. QUEM E QUANTOS SÃO OS ALUNOS COM AH/SD?



Alunos com AH/SD são aqueles que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Comumente apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008).

Alguns dados estatísticos revelam a porcentagem desses alunos na população, a saber, de 15% a 30% tem AH/SD. Só no estado de São Paulo, apontados pelo Censo Escolar no ano de 2006 foram apontados 78 alunos; já em 2009 esse número subiu para 1263 alunos. Esse vertiginoso aumento sugere ser o resultado da implantação de processos avaliatórios mais precisos e eficazes. Dados do Projeto Ensinando o Cérebro (ENSCER) – Secretaria da Pessoa com Deficiência, que demonstram ser os alunos com AH/SD 9%, quase o dobro daqueles com Deficiência Mental que correspondem a 5%. Daí a necessidade de uma boa avaliação e diagnóstico para identificação de crianças superdotadas nas redes de ensino do Brasil (CARVALHO, MORRONI e PEREIRA, 2009).

De acordo com Brasil (1994b), no decorrer de muitos estudos houve mudanças significativas na evolução do pensamento sobre esse tema tão polêmico. Antigamente eram usados testes de QI (Quoficiente de Inteligência) que avaliavam só as habilidades lógicas, matemática, e que eram voltadas apenas ao cognitivo; hoje em dia, AH/SD é avaliada como um fenômeno multidimensional e complexo que agrega o desenvolvimento não apenas cognitivo, mas também afetivo, neuropsicomotor e de personalidade.

Delpretto e Zardo (2010), afirmam que para o atendimento aos alunos com AH/SD é fundamental que haja consonância entre as salas de aulas comuns com as práticas trabalhadas na perspectiva de educação inclusiva, das salas multifuncionais, assim o atendimento educacional especializado deverá ter função complementar e/ou suplementar com atividades de enriquecimento curricular.

Quanto ao projeto político pedagógico, as autoras defendem a idéia de que a escola deverá estabelecer articulação com instituições de educação superior; centros voltados para o desenvolvimento da pesquisa – das artes, dos esportes, entre outros, oportunizando projetos colaborativos para atender necessidades especificas dos AH/SD.

No que diz respeito à organização curricular, Delpretto e Zardo (2010), enfatizam o reconhecimento das diferenças, ou seja, que o atendimento vá de encontro às possibilidades e capacidades dos educandos. O currículo deve ser compreendido como itinerário que os alunos deverão percorrer no processo de aprendizagem escolar. O planejamento escolar deverá ser assumido como uma prática de observação e reflexão cotidiana; com características transdisciplinares, globais e de articulação entre a sala de aula comum e a sala multifuncional.

Ainda de acordo com as autoras, na ótica da avaliação inclusiva, a avaliação tem o sentido reconstrutivo, uma vez que os resultados devem estar relacionados às práticas pedagógicas. Dentro de tal perspectiva, a avaliação processa-se basicamente em três momentos:

• Busca verificar os conhecimentos prévios dos alunos a serem trabalhados pedagogicamente, suas hipóteses e referencias de aprendizagem;
• Relaciona o processo de aprendizagem ao acompanhamento e aprofundamento dos temas estudados;
• Diz respeito ao que o aluno aprendeu face ao que já sabia (proposta inicial) e ao que sabe agora (novas relações estabelecidas);

Segundo Delou (2007), algumas outras medidas educativas, para inserir e acolher, da melhor maneira possível, as crianças com AH/SD ainda poderão ser adotadas, tais como:
• Aceleração – antecipação ou aumento do ritmo em que se processa o ensino aprendizado;
• Agrupamentos – programas específicos dirigidos a eles em turmas e escolas próprias;
• Enriquecimento – programas escolares ou extraescolares com maior aprofundamento de conhecimentos, maior amplitute temática e/ou acréscimo de atividades.

Todas as ferramentas e propostas poderão ser colocadas na prática pedagógica, de maneira flexível e enriquecedora para que alunos com altas habilidades e superdotação tenham na escola um espaço plural, no qual possam desenvolver em plenitude sua criticidade, criatividade e autonomia, sentindo-se assim, pessoas harmonicamente inseridas ao meio de seu pertencimento.
Terminamos este artigo com duas observações muito pertinentes:

Evidentemente que o professor de AH/SD não necessita também de ser sobredotado; o importante é que tenha alto grau de compreensão e sensibilidade, para que possa desempenhar com sucesso, o seu papel de facilitador e estimulador (FALCÃO, 1992 apud CORREIA, 2007, grifo nosso).

Os alunos sobredotados existem, estão aí e continuarão a estar, podemos identificá-los ou não, reconhecê-los ou não. O importante é não arruinarmos as suas possibilidades por abandono ou negligencia, por comodidade ou ignorância. A tarefa, sem dúvida, merece a pena. (TOURÓN, 1999 apud CORREIA, 2007)



5. CONSIDERAÇÕES FINAIS



É um grande desafio para educadores, psicopedagogos e psicólogos fazer o acolhimento, identificação e avaliação de alunos com altas habilidades e superdotação, pois esse trabalho exige como base, referenciais teóricas consistentes e resultados de pesquisas sobre o assunto.

A tarefa é difícil e complexa; o objetivo é discutir as melhores maneiras de atender, inserir e principalmente desenvolver a capacidade intelectual de alunos com alto potencial e altas habilidades.

As experiências e práticas compartilhadas entre os alunos, os professores, a família e a comunidade sustentará uma boa organização e oferta de atendimento educacional especializado para os AH/SD.

Ao professor da sala de recurso multifuncional caberá: elaborar o plano de atendimento, produzir materiais didáticos pedagógicos específicos, identificar e disponibilizar recursos de serviços, articular programas de diferentes áreas, fazer um trabalho colaborativo com a educação da classe regular, a interface com a família e promoção de acessibilidade quando necessário.

A escola em sua dimensão global perpassando por todos os setores: administrativo, educacional e humano deverá funcionar como engrenagem para inserir esses alunos na sociedade como fonte produtora de trabalho e capacidade de promover progresso intelectual, beneficiando a muitos com seu potencial de conhecimento. Enfim, pessoas com altas habilidades e superdotação não estão à toa no mundo e quando bem direcionadas em suas potencialidades poderão ser de grande auxílio no desenvolvimento de sua área específica.


REFERÊNCIAS

BENCZIK, E. B. P. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: atualização diagnóstica e terapêutica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

BRASIL. Lei n. 4024, de 20 de dezembro de 1961. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012.

BRASIL. Lei n. 5692, de 11 de agosto de 1971. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2012.

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do adolescente e dá outras providências. Brasília: Ministério da Justiça. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2012.

BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educacionais especiais. Brasília: Coordenadoria Nacional para a Integração da pessoa Portadora de Deficiência/Ministério da Justiça, 1994a. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012.

BRASIL, Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. BRASÍLIA: MEC/SEESP, 2008. v.1.

CARVALHO, C. S. B; MORRONI, R. M; PEREIRA, R. T. Um olhar para as altas habilidades/superdotação. Itaquaquecetuba: Diretoria de Ensino da Região de Itaquaquecetuba. Disponível em: . Acesso em 23 jul. 2012.

CORREIA, C. A criança sobredotada. Associação nacional para o estudo e intervenção na sobredotação. Tavira, 2007. Disponível em: . Acesso em 23 jul. 2012.

DELOU, C. M. C. Educação do aluno com altas habilidades/superdotação: legislação e políticas educacionais para a inclusão. In: FLEITH, D. de S. (Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. v. 1, p. 25-40.

DELOU, C. M. C. Identificação de superdotados: uma alternativa para a sistematização da observação de professores em sala de aula. 1987. Dissertação (Mestrado em Educação para superdotados) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987.

DELPRETTO, B. M. L.; ZARDO, S. P. Alunos com altas habilidades/superdotação no contexto da educação inclusiva. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; Universidade Federal do Ceará. 2010. v. 10, p. 19-24.

GIFFONI, F. A. Uma aproximação construtivista à análise e compreensão do desenvolvimento da inteligência em crianças e adolescentes com altas habilidades/superdotação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; Universidade Federal do Ceará. 2010. v. 10, p. 7-18.

INCONTRI, D. A Educação segundo o espiritismo. 7. ed. Bragança Paulista: Comenius, 2006. 42 p.

NOVAES, M. H. Desenvolvimento psicológico do superdotado. São Paulo: Atlas, 1979.

OUROFINO, V. T. A. T. de; GUIMARÃES, T. G. Características intelectuais, emocionais e sociais do aluno com altas habilidades/superdotação. In: FLEITH, D. de S. (Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. v. 1, p. 41-52.

PIAGET, J. Os pensadores. São Paulo: Abril S.A Cultural e Industrial, 1978.

PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. 22. ed. Rio de Janeiro: Editora Forence Universitária Ltda, 1997.

UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1990. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/ 0008/000862/086291por.pdf >. Acesso em 22 de julho de 2012.

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