Uma sombra, uma árvore grande, com folhas verdes e muitas frutas em seus galhos. Um céu limpo, sem nuvens e muitos passarinhos cantando. Uma menina observa esta linda paisagem da natureza.
Mas será que é isso mesmo que ela observa ou essa paisagem está apenas em sua imaginação, “dentro de seus olhos”? Ou será que ela se deixou levar pelo que veria, por suas expectativas? A sua cultura, o lugar onde mora e seus conhecimentos prévios importam neste momento? Será que outra pessoa, de outro país, de outra cultura, enxergaria esta mesma cena, desta mesma forma?
Acredito que para observarmos não são necessárias as imagens do que nossos olhos conseguem ver, mas também, precisamos nos atentar para os nossos conhecimentos prévios, da nossa cultura, dos conhecimentos, das expectativas.
Mas, fomos preparados para observar? Será que a nossa capacidade de observação foi desenvolvida? Madalena Freire aborda:
“Não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira.
Para romper esse modelo, a observação é a ferramenta básica neste aprendizado da construção do olhar sensível e pensante.
Olhar que envolve atenção e presença. Atenção que envolve sintonia consigo mesmo e com o grupo. Concentração do olhar que inclui escuta de silêncios e ruídos na comunicação.
O ver e o escutar fazem parte do processo da construção desse olhar. Em geral, não ouvimos o que o outro fala; mas sim o que gostaríamos de ouvir.
O mesmo acontece em relação ao nosso olhar estereotipado, querendo ver só o que nos agrada, o que sabemos, também reproduzindo um olhar de monólogo.
Ver e ouvir demandam implicação, entrega ao outro. A ação de olhar e escutar é um sair de si para ver o outro e a realidade segundo seus próprios pontos de vista, segundo sua história.
Neste sentido a ação de olhar é um ato de estudar a si próprio, a realidade, o grupo à luz da teoria que nos inspira.
Este aprendizado de olhar estudioso, curioso, questionador envolve ações do pensar: o classificar, o selecionar, o ordenar, o comparar, o resumir, para assim poder interpretar os significados lidos. Neste sentido o olhar e a escuta envolvem uma ação altamente movimentada, reflexiva, estudiosa.”
O olhar e o escutar têm funções bem definidas e, servem para conhecer quem são os alunos e a relação deles com a realidade da qual fazem parte; e conhecer para avaliar e planejar as ações educativas que irão acontecer.
De uma maneira objetiva, o professor observa tudo que considera importante para iluminar a sua prática, tudo que chama sua atenção, que faz pensar e querer saber mais. A observação que está sendo alvo da nossa atenção vai além desse ver espontâneo: quer saber mais para interferir melhor.
Segundo os Cadernos volumes 3 e 4 da SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade da coleção “Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos”:
Como ferramenta básica do seu fazer, a observação está presente nas diferentes atividades de um(a) professor(a):
_ na busca de compreender cada vez melhor seus alunos. Neste sentido a observação busca saber como trabalham na sala de aula, quais seus interesses, suas dificuldades e facilidades, sua forma de relacionar com os colegas, com o(a) professor(a) e suas características pessoais: timidez, tranqüilidade, agitação, concentração, habilidades, sua forma de pensar.
_ na avaliação do que sabem os alunos. A observação contribui para a análise das hipóteses que quer provar, no que parece incompreensível, no que é só intuição.
_ no acompanhamento do planejamento. Ao acompanhar o desenvolvimento das ações planejadas, o(a) professor(a) avalia sua própria ação, notando os aspectos onde planejou de acordo com a realidade de sua classe e nos momentos onde se afastou dela.
_ no registro do(a) professor(a). A observação cumpre um papel relevante ao contribuir para a percepção da realidade - objeto do registro do(a) professor(a). Ela faz notar o que não aparece com evidência e que exige saber ver, ouvir e interpretar.
Nessa perspectiva, o processo de ensino é um desafio para o professor, e também transpassa o modelo de avaliação antiga, quantitativa, valorizando o aluno como ser social e histórico. O educador deverá estar atento à investigação das questões que merecem maior investimento pedagógico e, conseqüentemente, alteração nos encaminhamentos didáticos.
Nesse sentido, Dalben diz:
Este novo conceito de avaliação defende uma nova concepção de trabalho pedagógico, alterando a perspectiva transmissiva de processo de ensino. Proclama uma interação permanente: professor x aluno x conhecimento e, neste contexto, o sentido da avaliação direciona-se para um processo de investigação contínua e dinâmica da relação pedagógica como um todo (1999, p.78).
Esta observação como avaliação, vai de encontro com outra prática que é de suma importância para a qualidade do ensino nos dias de hoje: o registro. Esses dois meios de avaliação devem seguir juntos pois, um depende do outro e se complementam.
A humanidade vive, desde os primórdios, em meio aos registros. Eles fazem parte do nosso dia-a-dia e podem reconstruir a história de nossos antepassados e da atualidade.
Para o registro ser eficaz, é necessário agrupá-lo aos pensamentos e à escrita, ampliando assim, o domínio da linguagem escrita e dinamizar o potencial de criatividade próprio de cada um. Registrar como uma prática pedagógica requer detalhar o processo de construção do conhecimento, anotar ideias – toda e qualquer documentação permite a reflexão e o acompanhamento das descobertas que ocorrem dentro e fora da sala de aula. O professor poderá registrar as suas reflexões e revisar a sua didática, as suas aulas, o seu planejamento e assim, terá um material, uma maneira forma concreta de se auto-avaliar, tendo algumas ideias aprofundadas e outras corrigidas.
O texto escrito possui a inferência de quem escreve e por isso, escrever não é uma tarefa fácil e exige paciência, dedicação e trabalho. Para tanto, é necessária uma tomada de consciência e de disciplina. Os escritos não ocorrerão de um dia para o outro e esta habilidade não será implantada se não houver uma dedicação. É preciso organizar os pensamentos para que o texto ou as frases fluam, de modo a serem passadas para o papel.
Quando organizado, o registro torna-se referência para quem está envolvido no processo educativo: alunos, professores, funcionários e pais. O registro passará a ser uma atividade contínua, progressiva, sistemática, flexível, orientador da atividade educativa e personalizada.
O registro tem como função principal surpreender nossa consciência consciente e abrir frestas para que possamos construir hipóteses e formular perguntas sobre as razões do nosso pensar. O registro permite a ampliação da memória, uma diversidade de funções e está a serviço de diferentes propósitos: comunicar, documentar, refletir, organizar, rever, aprofundar e historicizar. A forma e o conteúdo do registro também podem e devem variar, tanto quanto variam suas finalidades. O registro escrito torna visível estes diferentes objetivos. Além disso, o ato de escrever nos obriga a fazer perguntas, levantar possíveis respostas e organizar o que pensamos. Tudo isso nos leva a dar conta de que caminhos devemos seguir, que mudanças devemos fazer, que escolhas não foram felizes e que decisões facilitaram as aprendizagens dos alunos. Esse caminho nos aponta para formas de intervenção do professor e para a dinâmica vivida pelos alunos.
A reflexividade, segundo Hammersley e Atkinson (1994)
“[...] implica que as orientações dos investigadores podem tomar forma mediante sua localização sócio-histórica, incluindo os valores e interesses que estas localizações os conferem. O que isso representa é uma negociação da idéia de que a investigação social é, ou pode ser, realizada numa espécie de território autônomo isolada da sociedade mais ampla e da biografia particular do investigador, no sentido de que seu sucesso pode ficar livre dos processos sociais e de suas características pessoais (p.31)”.
Alguns registros são tão ricos em descrições que, ao lê-los, podemos imaginar a sala de aula, os alunos falando, escrevendo, debatendo, o professor intervindo, andando pelo espaço, atendendo seus alunos e os conhecimentos sendo construídos.
O acompanhamento do percurso do aluno na sua aprendizagem é de grande utilidade na EJA. Não é fácil para os alunos, principalmente para quem está nos níveis iniciais, perceberem o seu desenvolvimento. A possibilidade de, através da seqüência de seus progressos, mostrar para eles a sua evolução é, muitas vezes, motivo para não desistir da escola.
O próprio ato de reunir diferentes documentos relativos a uma prática pedagógica já constitui uma importante forma de guardar a memória das nossas realizações. É o registro documental, tão útil ao conhecimento histórico.
Como vimos há muitas formas de registrar, as que foram apresentadas e outras mais. Todas elas têm seu significado: algumas são mais apropriadas para um determinado objetivo, outras mais usuais, talvez, por serem mais práticas, menos exigentes.
No meio de tantas possibilidades destacamos o registro escrito, que por suas características, se tornou um dos mais importantes instrumentos de aprimoramento do professor.
O professor Cezar Sena que há algum tempo vem trabalhando com o registro do professor comenta as diferentes formas do registro:
“Existem vários meios e funções para o ato de registrar. O meio mais comum é o registro escrito. Temos o registro fotográfico, o registro sonoro, pictográfico - pinturas, desenhos, etc, registro cinematográfico - filmes em vídeo e DVD, registro mental – nossas memórias etc. No que se refere ao ato de registrar por escrito, destacamos três formas: a dissertativa, a narrativa e a descritiva.
Escrever de forma dissertativa é expor opiniões, pontos de vista fundamentados em argumentos e raciocínios baseados em nossa vivência, nossas leituras, nossas posturas, nossas conclusões a respeito da vida, dos colegas e de nós mesmos. Exerce-se, assim, o direito de ter idéias e expressá-las, respeitando as idéias dos outros, assumindo uma postura que problematize a realidade emostre os fundamentos de tal problematização.
A narração é uma das mais antigas e fecundas expressões dalinguagem. É uma aventura que tem o poder de nos fazer viajar, mergulhar nos relatos alheios e perceber neles os nossos próprios relatos, subentendidos ou explicitados, vividos ou sonhados.Narrar é contar, relacionar situações e personagens no tempo e no espaço, é perceber o que aconteceu, o que poderia ter acontecidoe contar, relatar, repartir com os ouvintes ou leitores as histórias de nossas histórias.
Para se descrever algo, considera-se primariamente dois elementos: quem observa e o objeto a ser observado. Descrevemos fatos e acontecimentos com base no que conseguimos captar através dos nossos sentidos. Quanto mais amplas forem nossas observações, maior será a riqueza de detalhes do material registrado, facilitando a reconstrução, possibilitando maior reflexãopor parte do leitor.
Independente do estilo de escrita de cada professor, se faznecessário reforçar o princípio básico da reflexão e da intencionalidadenesta ação. Registrar para refletir. Refletir para tomar consciência do momento presente para redirecionar, se necessário, sua prática.”
O processo de ressignificação da prática pedagógica configura-se como um processo que se efetiva mediado pela reflexão critico-reflexiva do professor sobre seu próprio trabalho. O que pressupõe, portanto, partir da base do contexto educativo real, nas necessidades reais dos sujeitos, nos problemas e dilemas relativos ao ensino e à aprendizagem. Assim considerada, a reflexão crítico-reflexiva da prática pedagógica necessita de mediação que permita a visualização com maior precisão de sua organização e sistematização e, mesmo, uma forma concreta de efetivação a permitir uma reflexão sistemática sobre seus diferentes aspectos.
Partindo desse pressuposto, focalizamos aqui neste artigo, como objeto de estudo o registro escrito dos professores na perspectiva de ressignificação da prática pedagógica por compreender que, as práticas de escrita vivenciadas nos diversos contextos escolares constituem-se valiosos instrumentos de
reflexão crítica, bem como de diagnóstico das situações vivencias acerca do desempenho do exercício da docência.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO. As Confissões. São Paulo, Editora das Américas, 1964.
ALARCÃO, Isabel (org.). Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto Editora, 1996.
ANDRÉ, Marli E. D. A. Etnografia da Prática Escolar. 11. ed. Campinas, SP: Papirus, 2004.
BORTONI- RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola e agora, e agora?: Sociolingüística & Educação. São Paulo: Parábola, 2005.
Cadernos volumes 3 e 4 da SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade da coleção “Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos”. Governo Federal da União. Brasil.
SENA, Cezar. Luis Mario da Conceição, Mariza V. e outros. O educador reflexivo: registrando e refletindo. São Paulo, Ed. Doxa - 2004.
HAMMERSLEY, Martyn; ATKINSON, Paul. Etnografia: métodos de Investigacíon. 2.ed. Barcelona, México: Paidós, 1994.
LURIA A.R, Pensamento e Linguagem. As últimas conferências de Luria, Porto Alegre - Artes Médicas, 1987.
FREIRE, Madalena. Observação, Registro, Reflexão. Série Seminários Espaço Pedagógico. São Paulo - 1996.
WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro. Editora Paz e Terra – São Paulo.
FONTE: http://www.artigonal.com/educacao-online-artigos/a-observacao-e-o-registro-como-instrumentos-de-avaliacao-na-educacao-de-jovens-e-adultos-uma-ponte-para-o-aprendizado-1094365.html ACESSO EM 24/07/2010
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