Cezar Sena[1]
RESUMO
No
turbulento e inspirador universo da educação contemporânea, o professor
transcende o papel de mero transmissor de conhecimento. Ele é o gestor de
dinâmicas complexas, o mediador de conflitos, o catalisador de potenciais e,
acima de tudo, um ser humano que lida diariamente com intensas cargas
emocionais. Em meio a esse cenário multifacetado, a capacidade de compreender e
gerenciar as próprias emoções emerge não como um diferencial, mas como uma
competência essencial para uma atuação profissional eficaz, assertiva e, acima
de tudo, duradoura. Este artigo mergulha na intrínseca relação entre a gestão
emocional e a prática docente, explorando como o autoconhecimento afetivo —
desde as manifestações mais primitivas da emoção até o autodomínio da paixão,
sob a lente de Henri Wallon — se entrelaça com a mentalidade de crescimento
proposta por Carol Dweck. Juntos, esses pilares oferecem um mapa para que
educadores não apenas sobrevivam aos desafios, mas floresçam, transformando sua
sala de aula e impactando profundamente a vida de seus alunos.
A
AFETIVIDADE SOB A ÓTICA DE HENRI WALLON: COMPREENDENDO NOSSAS RAÍZES EMOCIONAIS
Para
desvendar a complexidade das emoções humanas e sua influência na performance
profissional, recorremos aos valiosos insights de Henri Wallon. Este renomado
psicólogo francês propôs uma compreensão do desenvolvimento humano onde
afetividade e cognição estão intrinsecamente ligadas. De acordo Sena (2013), Wallon
apresenta três manifestações principais da afetividade, que se desdobram ao
longo do desenvolvimento e são essenciais para o autocontrole emocional do
adulto, especialmente do educador.
A
primeira etapa é a EMOÇÃO, caracterizada por reações orgânicas,
muitas vezes não controladas pela razão, e que se manifesta de forma primitiva
e contagiosa. No início da vida, no estágio impulsivo-emocional, a criança
expressa sua afetividade através de movimentos descoordenados, respondendo a
sensibilidades corporais. Para o profissional, compreender a emoção significa
reconhecer reações automáticas e primárias que podem surgir no cotidiano do
trabalho.
Em
seguida, temos o SENTIMENTO, que representa a verbalização da
emoção. É a capacidade de nomear, elaborar e expressar aquilo que se sente de
forma mais consciente. No estágio sensório-motor e projetivo, a criança, ao
desenvolver a fala, começa a externar suas percepções e interações com o mundo.
Para o professor, a verbalização dos sentimentos é um passo crucial para a
autocompreensão e para uma comunicação mais eficaz, permitindo que se lide com
as situações de forma menos impulsiva e mais refletida.
Por
fim, a PAIXÃO surge como o ápice do desenvolvimento afetivo,
marcando o aparecimento do autocontrole. Aqui, o indivíduo demonstra a
capacidade de dominar suas emoções em função de um objetivo maior. No estágio
do personalismo, a criança começa a se perceber como um indivíduo distinto,
desenvolvendo a consciência de si (e do outro. Para o profissional da educação,
desenvolver a paixão no sentido Walloniano significa alcançar um nível de
maturidade emocional onde as reações são ponderadas e alinhadas aos propósitos
pedagógicos, resultando em uma atuação mais equilibrada e estratégica.
O
EQUILÍBRIO EMOCIONAL COMO PILAR DA ATUAÇÃO DOCENTE ASSERTIVA
A
partir desses conceitos, fica evidente que, para que os professores atuem de
forma efetiva e assertiva, é imprescindível que desenvolvam habilidades de gestão
emocional. Isso não se limita a "controlar" emoções, mas a
reconhecê-las, compreendê-las e, então, utilizá-las de forma construtiva. O
autoconhecimento derivado dessa jornada permite aprimorar as práticas
pedagógicas e estabelecer relações mais saudáveis e empáticas com os alunos. A
capacidade de gerenciar emoções contribui significativamente para a criação de
um ambiente de aprendizagem positivo, onde tanto o educador quanto o estudante
se sentem seguros e engajados.
REFERÊNCIAS
QUE TRANSFORMAM: MINDSET E NEUROCIÊNCIA APLICADAS À EMOÇÃO
A
obra "Mindset" de Carol Dweck (2017) oferece uma perspectiva poderosa
sobre a mentalidade de crescimento. Ao adotar essa mentalidade, os
desafios são encarados como oportunidades de aprendizado e desenvolvimento, e
não como obstáculos intransponíveis. Para o professor, essa abordagem
fomenta a resiliência, a busca constante por aprimoramento e a capacidade de se
levantar após eventuais contratempos, vendo a adversidade como um degrau para a
evolução.
Aplicar
a mentalidade de crescimento na sala de aula é fundamental para criar um
ambiente de aprendizagem dinâmico e encorajador, onde os alunos entendem que suas
habilidades e inteligência podem ser desenvolvidas por meio de esforço,
estratégias eficazes e persistência. Essa abordagem incentiva os estudantes a
abraçarem desafios, aprenderem com os erros e valorizarem o processo de
aprendizagem em si, e não apenas o resultado final.
Para
lidar com a mentalidade fixa em professores e incentivá-los a adotar uma
mentalidade de crescimento, é fundamental aplicar estratégias que os ajudem a
refletir sobre suas crenças, valorizar o esforço e a persistência, e se engajar
em um processo contínuo de desenvolvimento. A obra "Mindset" de Carol
Dweck oferece a base para essas abordagens.
Com
base na obra 'Mindset' de Carol Dweck, apresento cinco dicas para auxiliar
professores na transição para uma mentalidade de crescimento, fundamentadas nos
seguintes princípios:
1. Promover a autoconsciência sobre as crenças: O primeiro passo para mudar uma
mentalidade fixa é reconhecê-la. Incentive os professores a refletirem sobre
suas próprias crenças em relação à aprendizagem, ao talento e ao
desenvolvimento de habilidades. Professores com mentalidade fixa podem acreditar
que a inteligência e as habilidades são traços inatos e imutáveis, o que pode
levar à resistência a novas metodologias ou ao desânimo diante das dificuldades
dos alunos. Ao se tornarem conscientes de que essa é uma mentalidade
"fixa", eles podem começar a questioná-la e a ver as possibilidades
de crescimento.
- Enfatizar
o Valor do Esforço e da Persistência: Destaque que o sucesso, tanto dos professores quanto
dos alunos, não é apenas resultado de talento inato, mas sim de dedicação,
trabalho árduo e estratégias eficazes. Ajude os professores a internalizarem
e a aplicar a ideia de que o esforço é o que cria a inteligência e a
habilidade ao longo do tempo. Ao valorizar e elogiar o processo de esforço
e persistência, eles podem começar a ver os desafios não como barreiras
intransponíveis, mas como oportunidades de desenvolver novas capacidades e
aprimorar as existentes.
- Oferecer
oportunidades de formação contínua focadas no desenvolvimento: Proporcione formações que abordem
explicitamente os conceitos da mentalidade de crescimento. Essas formações
devem oferecer ferramentas práticas para que os professores possam não
apenas entender a teoria, mas também aplicá-la em sua prática pedagógica e
em seu próprio desenvolvimento profissional.
- Criar
um ambiente de apoio e colaboração: Fomente uma cultura escolar onde os professores se
sintam seguros para experimentar novas abordagens pedagógicas,
compartilhar suas experiências (incluindo erros e desafios) e buscar
soluções em conjunto, sem medo de julgamento. Um ambiente colaborativo,
onde o feedback construtivo é encorajado e a troca de saberes é
valorizada, facilita a adoção de novas mentalidades e práticas.
- Modelar
a mentalidade de crescimento através da liderança: Líderes escolares, coordenadores
pedagógicos e diretores devem exemplificar a mentalidade de crescimento em
suas próprias práticas e discursos. Isso significa demonstrar abertura
para feedback, disposição para enfrentar desafios, assumir
responsabilidades por erros e buscar constantemente o próprio aprendizado
e aprimoramento.
Ao
implementar essas dicas, é possível criar um ecossistema educacional que nutre
a mentalidade de crescimento em todos os níveis, beneficiando não apenas o
desenvolvimento profissional dos professores, mas também a experiência de
aprendizado e o potencial de sucesso dos alunos.
Para
que os professores desenvolvam e apliquem a mentalidade de crescimento em sua
própria prática e vida profissional, a obra "Mindset: A Nova Psicologia do
Sucesso" de Carol Dweck oferece direcionamentos claros. Trata-se de uma
jornada interna de autopercepção e mudança de comportamento, que impacta
diretamente a forma como encaram os desafios, o aprendizado e o próprio
desenvolvimento.
A
seguir, apresento 5 dicas essenciais para que os professores possam trabalhar
sua própria mentalidade de crescimento:
1.
Reenquadrar
desafios e falhas como oportunidades de aprendizado: Em vez de ver um erro de planejamento de
aula ou uma dificuldade com um aluno como um sinal de incompetência, o
professor com mentalidade de crescimento os encara como valiosas oportunidades
para aprender e aprimorar suas estratégias. Carol Dweck argumenta que a
mentalidade de crescimento nos permite encarar os desafios não como obstáculos
intransponíveis, mas como chances de crescimento pessoal e profissional. Isso
significa analisar o que não funcionou, buscar novas abordagens e persistir até
encontrar uma solução eficaz.
- Valorizar
o esforço e as estratégias acima do talento inato: Professores devem cultivar a
crença de que a dedicação e o uso de métodos eficazes são mais importantes
para o sucesso do que uma habilidade preexistente. Ao aplicar essa
perspectiva a si mesmos, eles reconhecem que seu próprio desenvolvimento
profissional é um resultado direto do esforço contínuo e da busca por
melhores estratégias de ensino. Elogiar o processo e não apenas os
resultados finais é uma prática recomendada, e isso se aplica tanto
aos alunos quanto à autoavaliação do professor.
- Buscar
ativamente Feedback Construtivo para melhoria: Professores com mentalidade de
crescimento entendem que o feedback não é uma crítica à sua identidade
ou capacidade, mas uma ferramenta valiosa para identificar áreas de
melhoria. Eles ativamente solicitam opiniões de colegas, alunos e
gestores, utilizando essas informações para refinar suas práticas
pedagógicas. A aceitação de críticas construtivas permite aos professores identificarem
áreas de aprimoramento e elevar suas práticas. Essa abertura ao
feedback é um pilar para o desenvolvimento profissional contínuo.
- Adotar
a perspectiva do "Ainda Não" (Not Yet): Dweck popularizou a ideia de que,
se algo não foi alcançado, é porque "ainda não" foi dominado. Para
o professor, isso significa eliminar o pensamento limitante de "eu
não consigo" ou "isso não é para mim". Em vez disso, a
frase se torna "eu ainda não domino essa técnica de ensino" ou
"eu ainda não encontrei a melhor forma de engajar todos os meus
alunos". Essa simples mudança de linguagem reforça a crença na
capacidade de desenvolvimento futuro, encorajando a busca por novas
habilidades e conhecimentos.
- Cultivar
uma paixão genuína pelo aprendizado contínuo: A mentalidade de crescimento
incentiva uma curiosidade inesgotável e o desejo de estar sempre
aprendendo, não apenas sobre a disciplina que ensinam, mas também sobre
novas metodologias, neurociência da aprendizagem e gestão emocional. Para
Carol Dweck, a mentalidade de crescimento se manifesta na forma como os
indivíduos se engajam na busca por conhecimento e no desenvolvimento de
novas competências, vendo a educação como um processo sem fim. Isso os
torna não apenas educadores, mas também eternos estudantes, modelando essa
paixão para seus alunos.
Aprofundando
a discussão, a obra de Cláudia Feitosa-Santana (2021), 'Eu controlo como me sinto:
como a neurociência pode ajudar você a construir uma vida mais feliz',
revela como o entendimento do cérebro é um poderoso aliado na regulação
emocional. Esse conhecimento capacita os educadores a desenvolverem estratégias
eficazes para lidar com o estresse e promover o próprio bem-estar, o que se
reflete em mais energia e disposição em sala de aula.
A
partir das ideias da autora, sugiro dez dicas para professores gerenciarem suas
emoções. Baseado nos princípios discutidos, seguem as dicas práticas para
auxiliar os professores na gestão de suas emoções, visando uma atuação mais
equilibrada e assertiva:
- Autoconhecimento: Reserve momentos regulares para
refletir sobre suas emoções e identificar padrões de comportamento,
entendendo o que as desencadeia.
- Prática
de Mindfulness:
Incorpore técnicas de atenção plena no seu dia a dia para aumentar a
consciência do momento presente e reduzir a ansiedade. Pequenas pausas
para respirar e observar podem fazer a diferença.
- Estabelecimento
de limites: Defina
claramente os limites entre sua vida profissional e pessoal para evitar a
sobrecarga emocional. Aprenda a dizer "não" quando necessário e
a proteger seu tempo de descanso.
- Desenvolvimento
de empatia:
Esforce-se para compreender as perspectivas e emoções dos seus alunos e
colegas. A empatia fortalece os laços e promove um ambiente de respeito
mútuo.
- Comunicação
assertiva:
Expresse suas necessidades e sentimentos de forma clara, direta e
respeitosa, evitando conflitos desnecessários e garantindo que sua voz
seja ouvida.
- Busca
por apoio:
Compartilhe suas experiências e desafios com colegas, amigos ou
familiares. Criar uma rede de suporte emocional é vital para lidar com as
pressões da profissão.
- Cuidados
com a saúde física:
Mantenha uma rotina de exercícios físicos regulares e uma alimentação
equilibrada. O corpo e a mente estão interligados, e cuidar de um
fortalece o outro.
- Gestão
do tempo: Organize
suas tarefas de forma eficiente, priorizando e delegando quando possível.
Evitar o acúmulo de responsabilidades reduz significativamente o estresse.
- Formação
contínua: Invista
em cursos, workshops e leituras que ampliem seu conhecimento sobre gestão
emocional e novas práticas pedagógicas. O aprendizado contínuo empodera e
motiva.
- Prática
de atividades relaxantes:
Dedique tempo a hobbies e atividades que proporcionem prazer e
relaxamento, como leitura, ouvir música, meditar ou passar tempo na
natureza. Essas pausas são essenciais para recarregar as energias.
Considerações:
a alquimia da Gestão Emocional na formação humana
A
jornada da gestão emocional, desde as reações primitivas da emoção até o
autodomínio da paixão, como brilhantemente delineado por Henri Wallon,
revela-se não apenas um caminho de desenvolvimento pessoal, mas um pilar
inquestionável para a excelência na atuação profissional, especialmente no
universo educacional. A capacidade de um professor de navegar e harmonizar seu
próprio universo afetivo é a bússola que orienta a qualidade de sua interação
com os alunos, a resiliência diante dos desafios pedagógicos e a assertividade
de sua prática.
Quando
os educadores abraçam os conceitos de Carol Dweck em "Mindset", eles
transformam a percepção de suas próprias capacidades. A mentalidade de
crescimento permite que a gestão emocional deixe de ser vista como um traço
fixo e imutável e passe a ser compreendida como uma habilidade maleável,
passível de aprimoramento contínuo. Reconhecer que a capacidade de gerenciar
emoções pode ser desenvolvida através de esforço, estratégias e persistência é
o ponto de virada. Assim, cada frustração, cada desafio em sala de aula,
cada feedback recebido torna-se uma valiosa oportunidade para calibrar o
autocontrole, refinar a empatia e fortalecer a própria "paixão" Walloniana
pela arte de educar.
Essa
alquimia da gestão emocional, alimentada por uma mentalidade de crescimento,
tem um impacto que transcende o indivíduo. Professores emocionalmente
inteligentes e com uma mentalidade de crescimento não apenas modelam esses
atributos em seus alunos, mas também criam ambientes de aprendizagem que são
verdadeiros laboratórios de resiliência e autoeficácia. Nesses espaços, os
erros são celebrados como degraus para o aprendizado, o esforço é valorizado
sobre o talento inato e a colaboração floresce, transformando a sala de aula em
um microcosmo de desenvolvimento humano integral.
Em
suma, investir no aprimoramento da gestão emocional, alinhado aos princípios da
mentalidade de crescimento, não é apenas um investimento no bem-estar
individual do educador, mas um imperativo para a construção de uma educação
mais rica, humana e eficaz. É a fundação para formar gerações de alunos que não
apenas dominam conteúdos, mas que também possuem as ferramentas emocionais e a
mentalidade adaptativa necessárias para florescer em um mundo em constante
transformação. Que cada educador, ao compreender e aplicar esses princípios, se
torne um farol de equilíbrio e inspiração, iluminando o caminho de seus alunos
para um futuro de pleno potencial.
REFERÊNCIAS
DWECK, S.
Carol. MINDSET: a psicologia do sucesso. 1ª ed. São Paulo:
Objetiva, 2017
SANTANA, Claudia Feitosa. Eu me controle
como me sinto: como a neurociência pode ajudar você a construir uma vida mais
feliz. São Paulo: Planeta, 2021
SENA, Cezar. A relação afetiva professor
e aluno, revelada por seus diários. Curitiba: Appris, 2013.
[1] MESTRE em Educação – PUC/SP; Especialista em
Gestão da Escola – USP; MBA em Gestão Empreendedora – UFF; Neuropsicopedagogo;
Psicopedagogo e Pedagogo. Diretor da EE Valêncio Soares Rodrigues; Professor
universitário; Escritor; Palestrante, Host do PODSENA, Coach e Influencer
digital. Instagram: @cezar.sena